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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

e no meio da noite lá no alto eu via a lua imensa, querendo se encher. eu via do improvável céu. no colo do meu ouvido, o regar a planta do amor-rebento sentada à beira da calçada da rua torta. hoje acordei com a cidade e vim dormir com ela. filmei os passos da multidão nas esteiras. ouvi o ecos dos passos na lataria dos nossos buracos de tatu. numa filma imensa à espera do batuque e do preto, brincar de amarelinha, procurando a maga nas entrelinhas da grande cidade, parafuso que se mostra e se esconde. as prosas escritas, descritas, revistas das gentes em trânsito. o silêncio e o segundo que antecede o parecer. ali, em volta da mesa, os amigos se reencontram. e ali, onde se firma os olhos, na mesma altura e se mira aquilo que importa: andar junto. caminhar. ver de perto a face feia e não desdar as mãos, mesmo que de longe, mesmo com dor. hoje a noite se fez clara. vi livros noutras línguas. vi mais que palavras, vi vida. enxergo o sol de outras paragens na pele dos meus, sinto as palavras de décadas atrás me levaram para passear. vejo na ordem do dia meninos ansiosos por transformações, feminismo na ordem do dia - na sala de troca. abdico dos planos imensos e agradeço pelo milagre desse dia de trabalho. de suor. de labuta. justamente porque quero mais e sempre pra tudo e pra sempre. mas é daquilo que importa que falo aqui. a morte, a culpa, o ódio derramado a esmo, a escuta amorosa como ato de rebelde militância. militância do instante. fortaleza do passo. ecos que reverberam no tempo e no espaço. cada grão de areia, gil. na alquimia do tempo, que faz, refaz. que é ilusório e ao mesmo tempo a encarnação de nós. hoje há na bolsa doces e prendas. hoje o quadro é mais que quadro, é um retrato. uma meta. um raio. pra onde eu vou?
venha também.



terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

os grilos são astros.

na boca da noite, madrugada longa, cidade quente de Igaraçu do Tietê. longe e pequena, que o rio fedido que deixei pra trás é beira de mar ali, na Barra. Bonita. Bunita, que nem o riso dele.
Andando na madrugada serena e silenciosa, de dia que não se entende, a luz amarela logo a frente. Rostos desconhecidamente reconocidos - tinham as feições do menino. Na dúvida certeira, de vida que se vai, de corpo que se vela, eu vi pelo quadradinho da casa de madeira o rosto. Moreno. Sofrido. as marcas no corpo de últimos dias encarnado, do mundo, dos meios e métodos. pescoço calado enfaixado. a bata branca. e a lembrança de que se é mais que tudo aquilo.
éramos poucos. éramos muitos. logo ali, no batente da porta, pra baixo, na soleira da porta, eis que chega ele. e pára. e fica. Grilo. silencioso grilo. ali parado.
fica um, dois, dez, quinze minutos. meia hora. ele vela Marcão. eu fiquei em sua vigília. um menino desembestadamente desentendido daquela morte súbita avança pela porta lateral, a porta do grilo, verifica o corpo e sai. O grilo toma pisada na pata. não se abala. não se afasta. vela.

lembro que insetos mudam vidas. penso num amigo dentre tantas coisas budista. na beira mar, teve companhia de um na sua coxa e no decorrer do caminhar, ele pisa no bichinho. chora e se lamenta como se tivesse pisado em si, se estraçalhado com os próprios pés. não encontra colo ao chegar em casa diante de tal dor incomum num mundo em que bichos se matam aos montes e insetos são só coisas que atrapalham e por exterminar. lembro dele. do grilo. da sua metamorfose em vida. penso na passagem do marcão. penso que não adianta pensar. aceito. respiro. desacredito. velo.

perco de vista o grilo. esperto, ele toma pra si as folhas falsas de verde exagerado que embalam as poucas flores que enfeitam a sala triste. camuflado. seguro. ainda mais próximo de Marcão. velando.

O ponto de luz em forma de gente, amigo de riso sincero, fala serena, companhia na solidão de estar se senta ao meu lado. Falo do grilo. Ele ri.

"Sabia que na infância o apelido do Marcão era grilo falante?"



na boca da noite, no meio do mato
grilo falante agora é astro
brilha imenso feito estrela
e nos alumia.

vá-te em paz, meu irmão.