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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

era só a amy

"só mais uma então e a gente entra". - tá. o som de abelha do celular na imensidão de um céu estrelado - meia luz, que a lua hoje foi só um fiapo.
de "let it be" a play pulou pra amy. fechei os olhos e lá estava eu na cozinha da pocilga. você com a ponta do nariz não mais vermelha que os lábios - como sempre. na minha ilha-de-edição maluca tem carteado, a larica do doce de leite feito do leite trazido a venda da esquina (antes de ser gourmetizada, bom que se diga!) e o açúcar cristal. você, é claro, com um cigarro entre os dedos, olhos curtos como os meus agora. aquela luz branca da casa toda, menos da sala. - aliás, como nunca se pensou numa outra luz pro canto mais agradável da casa?

"não, porra. amy não. não é que eu não goste da amy." "...é... eu não gosto"
mas antes que eu pudesse ouvir o resmungo do charlie, vieram os olhos do kurts - que ao mesmo tempo era casa, vídeo-game, piadinha, riso, ursinho, silêncio, causos, sãopaulo, sotaque, ideias mirabolantes, teorias pra tudo e observação - nerd. "já falei... ficam ouvindo amy o tempo todo. tem que ouvir as que inspiraram, as que ensinaram..."
e assim, foi assim, que eu levei a Billie pra casa. e então os carteados com o casal japa passaram a ser ao som da Lady. e esse disco rodou tanto tempo...
é, rena, deu saudade de cantar essas coisas. não.  não cantei muito. e talvez por isso da saudade.
palavrão dizer isso, assim, a essa hora. s  a  a a   u u u   d a d e
mas é que enquanto a caixinha de abelha soa amy a la diva, numa balada, e eles ali discutem sobre os arranjos do show-tributo do próximo sábado - eu avoei pra lugares que nem sei procurando cada um de nós. cruzei oceano pra ver o negão. a outra não sei se já voltou dazoropa... mas tantos de nós não tenho nem ideia...
o chico morreu, cê viu né?
não consegui não lembrar do malária e da foto que tirei certa feita dos dois:  malária, um pupilo diante do professor chico e a sabedoria highlander de buteco.
e quando penso no chico só consigo lembrar da basola no bar-do-tê. - das promessas de amor de velhice, esses reencontros já velhinhos, cabelo branco: ele dono de buteco, com mulher e filho e eu chegando de sei lá onde, abrindo um sorriso, tomando uma (se saúde ainda tiver) ou apenas sacando o violão sem dizer muita coisa além do que se canta "se dane o evangelho e todos os orixás".) - é. acho que nunca te contei dessa brisa...
quanta coisa!
e era só a amy. - nunca será "só" a amy.
e quando lhe tiver fluidos pra isso, toma conta de nóis daí.


"vamo entrar, turma?"


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

mas por que então fizeram isso? não viram que era loucura e não fazia sentido algum? tanto espetáculo, papel e todo o resto?
fizeram porque se deram as mãos. sabiam, mesmo cegos de si, onde doía a dor de cada um. cães guias de cães guias, alertando pelo faro, pelo instinto de salvar o outro - porque, mesmo sem querer, queriam que os salvassem de si próprios.
fizeram sobretudo porque gostam de se queimar. calor: arde, queima e encoraja.

hoje preferem lamparinas. falam ainda, muito, mas mais baixo e com parcimônia. estão separados, mas enxergam, ainda que pouco. não deixaram de ouvir. tropeçam sozinhos sendo seus próprios guias. interiorizam o cão no homem, o homem no cão. e nenhum passo é tão prazeroso quanto o que se dá com as próprias forças.
e se acaso os seus passos, patas e rastros se cruzam, agora elegantes em suas próprias dores que são, continuam guias, sábios e parceiros, não um do outro, mas cúmplices na grande tarefa de existir sendo o melhor do que se é pra si mas sobretudo, pela tarefa lhes dada pelo grande tempo.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

vestida com a saia de minha mãe e óculos escuros que ganhei essa semana de uma gaveta antiga, a la anos 80, eu atravessei minha cidade à tarde. sol à pino pra levar um abraço e um doce para minha prima. aniversários. gosto do meu e dos outros. ia ser breve. que fosse então na cozinha.
já na entrada da casa estava dona Odete, matriarca, minha avó paterna, que há quase duas décadas fez a passagem, ali, desenhada pelo meu irmão na parede da casa da tia. 
e mexia o doce na panela enquanto ouvia os casos, botava a vida em dia. e o tempo era o sol gostoso, o vento leve, o pão de queijo quente sobre a mesa. em breve eu sairia dali pra ouvir um homem me fazer chorar com sua canção sobre um jipe...ah, manuel. audaz.
mas antes vi adentrar minhas tias casa adentro e voltei no tempo e fui criança num domingo. domingo de passar na casa-davódete. e então ganhei meu belo presente do dia, da vida, de existir:
"hm... que cheiro gostoso de doce... ai! lembra o cheiro do doce que a mãe fazia..."
adociquei a memória de minhas tias com o cheiro da vó. e sorri pra ela que me olhava ali, em grafiti, parede e luz. e dentro.
e lembrei do presente que me deu, o único, dias antes de morrer: uma miniatura de uma talha. filtrar a água. benzê-la.
hoje eu fui filha de minha vó, mãe de meu pai. hoje revi meus pais musicais da infância e falei com eles sobre filhos que eu vi nascer. me senti imperatriz de mim e capaz de falar das coisas do mundo. e vi meus pés fincados na terra onde nasci, na terra onde cresci e vi todo o mundo que corri dentro de mim.
hoje agradeci ao chorinho de terça, ao beijo debaixo de um pano verde. à arte do encontro - me lembrei de mim e me vi adiante.
gracias a la vida e aos seus claros mistérios.