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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

'foi-se o amor da vida' dizia a manchete do jornal

todo mundo carrega um frio dentro. desculpe me dizer isso assim. sei que você sempre detestou o frio e já disse repetidas vezes que se pudesse o extinguiria da existência. mas todo mundo tem um frio dentro. você tem um frio dentro. eu tive que pensar pra não escrever "tu tem" porque sou ladra de sotaques, de cantos e estou aqui no sul como você (não) deve saber e aqui tem tu, que nem aí, no litoral. é. tu. tu tem frio dentro. pensei nisso numa madrugada aqui, de frente pra lareira, entre vinis, com penteadeira de madeira de verdade - lembra que eu sempre gostei de madeira de verdade né? nossa casa teria móveis de madeira de verdade. meia luz. uma morena com clarinete. um coração em forma de homem que dedilha cordas. um príncipe de conto de fadas. a bela. - aquela ali, estranha, que ganhou uma biblioteca de presente de uma fera. um fogo que se apanha, se saca. uma ideia genial de brilhar os olhos. mesmo que sejamos de um sol fervente, na frente das telas, diante dos livros, construímos memórias arquetípicas de frio europeu, frio medieval, de frio de língua enrolada, lareira e lar. todos carregamos um aquietar-se e aquecer-se. mesmo em silêncio. com cores poucas. mas aqui, onde faz frio, os dias de calor são longos. a tarde cai preguiçosa, cê previsava ver. você viu. tantas. em tantas línguas. ia dizer que me esqueço, mas o prazer em ouvir "carina" valia qualquer outro deslize em insegurança desse coração de cigana vagabundo. você sabe. sabe também, ou deveria saber, que soube da morte da filha do homem. é. a grisalha esbelta. como você gosta. sim. suzana morreu e de novo meu aperto do lado esquerdo do peito não é por ela que faz a passagem, ou pela cantora de sagitário e olhos cor de água que agora chora um mar de amar. o aperto é que eu sei que você sofre. ou ao menos, sente. sente. e eu sinto. sinto tanto. sinto muito. sinto no meu gesto o teu gesto. e cada sotaque, cada encontro dessa arte do encontro aqui nessa terra fria onde, hoje, faz calor... nessa viagem que começa com uma canção, com um filme uma pergunta.
e ainda assim
eu creio que
nem tudo está perdido.

há uma luz
e que grande rio.