cruzava a rua. o vento contra o rosto. os olhos fechados. o salto, em aquarela. os prédios desavisados no meio do caminho. voávamos entre eles. você pintava de preto a pele dela. de dentro de uma oca surgiam as falas articuladas de quem fala com classe da falta de classe dos dois senhores ali, sentados, do outro lado do balcão.
cruzava o calçadão. as duas rodas da bicicleta. um par de coxas. decote. unhas mordidas em vemelho. sutiã não seguram os peitos - em vermelho - e girando, cigana, no meio da rotatória.
- metá metá é bom pra meter. (pensava num trocadilho infame, enquanto seu sexo rompia com as dimensões do tempo-espaço - que nada! o trânsito-contorna-a-nossa-cama é coisa clichê)
na sombra da parede madrugueira, os desenhos de sombras em pleno gozo. a porta entreaberta, a janela escancarada... era tara ou pura e simples liberdade?
- era a brisa. querendo passagem.
na curva do viaduto, garupa e um canto que ecoa entre os concretos "dormiiiiiirrrr no teu cooooolo é tornar a nascer."
me desenhava. rabiscou inteira e me reescreveu. ali, entre os passantes, na entrada do metrô. sol de domingo. chuva de consolação. justifiquei. "nunca acreditou em acasos", mas ainda briga com a intuição.
gozava com a intensidade de um novo nascer. e todaquela porra ali em volta era semente de vida. engolia.
quenada. vermelho o sangue. quente nas veias, nos olhos. e desde quando se ver no outro é se saber?
queria contar pro preto que agora sentia latejando a ciumeira. que se pintava. se importava. que não sabia, e daí? como confiar? - bem que disseram. e quando for a tua vez?
respira. acena. sorri. faz o mesmo. oscila. se desenha. se desdenha. adesiva.
era um buraco sem fim e sabia que era o desafio que sempre pedira.
dar de si - fora tão avisada...
não há ismo nenhum que valha o bom senso e a entrega. e não há vergonha que impeça de envergar a espinha. tá bom. ainda é difícil,
mas teve mato, teve papo, teve amigo. teve plano, teve suor, teve domingo. teve prosa, teve chuva, teve segunda. teve não, teve sim, teve carão. teve banho, teve bike, teve flerte, (não) teve seta, teve seda. teve pele, teve verdade, teve sentir.