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sexta-feira, 5 de abril de 2019


nem tudo que reluz é outro. ouro. era pra ser outro. ouro. o tê sempre entra no meio. os dias que acenam com o novo crescer da Lua parecem trazer gravado no peito o pulsar vermelho de um coração que jorra. tudo solto na plataforma do ar. é como se um vento mudo e desconexo incendiasse a chama que arde dentro do peito da gente. e todo mundo visse, ou mesmo que não visse, cada um de nós sente a força do espírito queimando cada poro. como se fosse impossível se negar do que se é. mas se isso fosse solução pra qualquer coisa... no meio do caminho a pedra. sempre a pedra, Carlos. a pedra, a lama, o barro. a foice. o tempo e sua inescapável toada. e a gente tropeça, assim, de bater o minguinho na quina e ter vertigem de tanta dor, nessa pedra. e o ardume de ser não tem vazão. você é, mas expor é podar. é escolher. é cortar. é caminhar na toada do todo. o palco, o palanque, o púlpito. ocupar um lugar é mais do que ser o que se é. é entrar numa engrenagem. a peça encaixa. tem o tempo certo. e tem um lugar invariável. a poda. o corte. a morte. nem tudo que a gente é vinga. nem tudo que é visto é verdade. nem toda verdade pode ser vista.
e toda agonia acaba sendo injusta com o amor. amor ou desejo? desejo ou segredo? silenciosamente se devotando ao reflexo de se sentir amar. uma devoção calada, sentida. um êxtase. pega de assalto, se te sonda os pesadelos, os sonhos, leva para uma margem onde tudo tem pouca nitidez. e a palavra não diz. a palavra não alcança. a terceira margem do rio. onde a gente só conversa pelo olhar, pelo toque, pelo sutil, pelo silêncio. dizer só atrapalha ainda mais. só aumenta o vento, que só aumenta a confusão que só aumenta a agonia que se choca com a pedra.

"a pedra não é pedra, pai. é só palavra."

e onde nada parece fazer muito sentido, a nitidez do absurdo da verdade das coisas nos leva adiante. eleva o olhar, a fé pro longe. mira alto. a fé que nos encoraja a caminhar no escuro, a confiar no tato. intuir e ouvir o que de nós é delicadeza, condição humana, o que de nós é instinto - do bicho que a gente é, e nem pode deixar de ser.