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domingo, 29 de novembro de 2015

grande trampo no palco




eu tinha pouco mais de 14 anos quando me disseram que eu deveria cantar "The great gig in the sky". como era um projeto em família, a coisa  - com todo o meu drama canceriano e revolta aquariana - parece sempre bem menos democrática quando eu conto. mas a verdade é que me botaram o desafio e eu topei. - seja por gostar de palco, seja por gostar de música, seja por gostar de desafio.
eu não tinha - e isso tá longe de ser falsa modéstia - a menor condição de fazer aquilo. não tinha técnica vocal. não conseguia atingir aqueles agudos todos, sem berrar, muito e alto e mal. - exagero? basta perguntar pra quem esteve lá no dia 28 de setembro de 2002, no centro cultural. - vi do palco algumas pessoas rindo.

o fato é que não é simples e nem fácil mesmo cantar o que a sagitariana Clare Torry fez dentro do estúdio sobre a base maravilhosa de Richard Wright.

o tema da música é extremamente forte. a expressão vocal dela ultrapassa a mera técnica, mas é sim constituída de muita. o que aparenta ser um mero grito de alguém com medo de morrer, pensando em pânico, dor e morte, é um solo vocal que demostra muito domínio técnico. domínio sobre o que se coloca pra fora.

levar isso pro palco é ter em conta tudo isso.

sim. 13 anos depois o status mudo um tanto - e aí não vou mesmo apelar pra uma falsa modéstia. ainda que esteja bem longe do que Clare faz, hoje consigo gostar do que faço quando ouço os acordes de The Great Gig in The Sky e chega a minha vez de encarar o público extremamente crítico e fanático do Ummagumma, que na verdade, é o público do Pink Floyd.

dois momentos foram fundamentais e estão comigo no palco toda vez que canto

1 - ainda nos primeiros da banda, fizemos uma apresentação em São Tomé das Letras. um amigo meu esteve e veio conversar comigo que achou a performance bem comedida e que aquilo não combinava com a música. que era necessário levar tesão pro palco. ou, como diria anos depois outra grande amiga, cantar com a perereca. e isso fez e faz toda a diferença.
morte e vida
prazer e horror
gozo e choro
estão em vizinhança e se misturam na vida, no espamo, no grito.
durante algum tempo foi o que salvou.

2 - durante a faculdade toquei em barzinhos pra levantar uma grana. foi um momento de muito aprendizado. o repertório era basicamente música brasileira anos 60 e 70. muita, muita, mas muita bossa nova. por incrível que pareça cantar "the great gig in the sky" ficou muito melhor depois disso.
o controle vocal que exige o canto da bossa nova me muniu de um auto-conhecimento da minha própria voz que foram fundamentais para começar a interpretar melhor "great gig".
a partir daí, a coisa mudou de figura.

durante algum tempo eu optei pela versão do Pulse. é mais fácil pra mim ainda hoje seguir uma linha vocal já conhecida do que simplesmente fazer um improviso vocal. - até porque, floydianos que vão a um show tributo procuram ouvir coisas que o remetam às gravações já conhecidas. poucos estão dispostos à inovação nos arranjos.
a versão do Pulse tem a primeira parte mais "fácil" de cantar, por não atingir notas tão agudas. e beneficia também a parte agressiva.

de uns tempos pra cá tenho me aventurado na versão original, baseada na aniversariante do dia, a sagitariana Clare Torry.

muitas das pessoas que vão aos shows ou que vêm conversar comigo sobre a música falam sobre a "negona" que faz o vocal. de como eu "que sou tão pequenininha" consigo cantar aquilo. "de onde é que sair tanta voz" etc etc etc.
bom, como na versão do Pulse temos duas negras, talvez isso justifique a errônea crença de que a mulher que vez sozinha o solo original seja negra. não, pessoal.
ela é uma branquela.

e  acho essa fala sempre sintomática porque ao mesmo tempo em que ela quer enaltecer que "pretos são naturalmente ótimos cantores", elas reproduzem um preconceito - sem saber, na maior parte das vezes - de que "preto só serve pra isso".
não pessoal. todo ser humano é capaz de tudo. rs
tanto os brancos de vocais surpreendentes - e aqui não quero mesmo negar a contribuição negra para a música popular mundial, eles DE FATO são inspiração e tem muito talento nisso.
mas o negros são capazes de atividades outras das mais diversas com êxito e louvor. - desde que as mais abstratas, intelectuais...
então, sim.
Clare é branca. e canta. bem.

e eu sou pequena e boto aquilo tudo pra fora.

e eu me sinto uma privilegiada por ter aceito o desafio, esse. é o espaço do show feminino por excelência e há muito tempo venho trazendo como inspiração para o berro toda essa energia milenar do feminino oprimido e queimado na fogueira.
ouvi há pouco que a minha versão é mais "sensual" que a de Clare. Não há uma intensão numa sensualização, mas há sim a lembrança do gozo. Sim, o gozo feminino tanta vezes julgado, proibido, coibido - desconhecido tantas vezes pela própria mulher.
poder encarnar isso no palco é de uma responsabilidade muito grande. nosso grito de dor e de liberdade. de angústia e de prazer. de fúria e de paixão.
e ao lado na parceria, tenho comigo sempre uma forte mulher: aos teclados Stéfanny Rezende e outrora, Renata Diniz.

as vezes aproveito pra tentar fazer discurso entre uma parte e outra. rs, quase nunca sou ouvida.
"só a luta muda a vida", quando da greve dos metroviários, ou "meu corpo/meu útero minhas regras" no último show em BH, quando do calor da hora da PL 5069.
mas não importa. estou de corpo e alma ali. e canto e grito.

gratidão à Clare Torry pela inspiração.
feliz aniversário.
Vida longa.


www.photofeeling.art.br
Clare Torry


domingo, 8 de novembro de 2015

*"o lodo todo que pela janela passa"


"Pois há do lado de dentro um mundo que é seu que não esqueceu e vive a vagar.
E o que aconteceu foi que aos poucos doeu, aos poucos doeu, doeu divagar"
*Gabriel Kieling





trezentos e cinquenta curtidas num anúncio de uma tocada. chuva, casamento no interior: nem vinte presentes, entre garçons, mãe meio-irmão e casais. um casal de cãs e a vida às vezes só nos quer dar um canto para cantar em paz. ironia entre o que reluz em preto e branco, estático,  perfeito, sem som e o que se movimenta,  todo dia, abre a boca, se desfaz. parece que há pouca resposta para o que acontece lá fora: os escândalos,  a lama, o veneno sobre a mesa, os dólares e os anos a mais da aposentadoria,  que pra minha geração,  é certo, nunca virá.  se gritamos,  se gozamos, se escrevemos, se debatemos, batemos, pixamos, colamos, se descolamos, calamos, repensamos. quantos nãos cabem na equação.  parece bobagem mas não era não. e o domingo pode ser vitorioso só de sair da cama e se lembrar de cultivar afeto, dar risada, abrir carta, olhar no olho. não nos abraçamos mais, mas ainda sabemos dar a alma se preciso for.
quando o lugar é lento, a saudade chega mais depressa.  aqui, meu caro, encontrar com os seus é olhar pras coisas e reencontrar com o cheiro das coisas, com um lugar que já não há. é ter mais dois olhos que vêm o que quase ninguém mais vê.  e assim, nos seguramos na cumplicidade da memória para tanto descompasso do agora e, ainda assim, tanta ferida em comum.
confessamos que não fomos feitos pra acabar, mas pra dar certo e isso nos mata mais que a falta de emprego,  o dolar alto, o excesso de remédio e de veneno.
mas tudo isso que se costura de chão é feito de muito céu.  e há que se estar atento pra não perder o próprio bonde, que as vezes só ronca no silêncio,  só anda no di-vagar.
se ar pesa, pode ser o dono do mundo nos ensinando a arar, cultivar, carpir, semear. o sonho resmunga, confunde, consola. é ferrão enfiado na carne. pus cuspindo. veneno ganhando sol, às vezes pode até curar.


quinta-feira, 5 de novembro de 2015

nunca estivemos em ítaca.

hoje, dani, te levei pra andar pelas ruas de beagá. frequento esse chão há tantos anos, bem antes mesmo de me entender por gente, mas poucas vezes havia devotado caminhada e suor pra essa cidade, como outrora fiz com teu canto aí no sul - nesse lugar onde se descobre o frio que habita dentro da gente.
um calor, um mormaço num lugar onde os prédios se avolumam e a brisa quase já não passa. mas ainda assim muito verde. o verde da praça que chamam liberdade e que acolhe gentes todas. caminhantes, estudantes. hoje mesmo vi dois meninos semi nus nuns de seus chafarizes. e os vi porque avistei os dois guardas municipais acabando com a festa da liberdade dos corpos naquele monte de água pública. na noite anterior fora teus versos que me fizeram companhia pros desassossegos que o sol em escorpião me reviram dentro da alma. hoje sentamos noutra praça-calçadão e proseamos com amizade de velha data - passando a limpo os tempos. ouvindo histórias do ontem que nos constroem no hoje. hoje chorei a agonia de não saber. mas dani, hoje caminhamos. você dentro da bolsa rasgada adentrou um prédio-galeria, pelo qual sempre havia passado e nunca adentrado. desses que há pouco conheci em são paulo com seus sambas e vinis, numa fresta de tempo e espaço. uma lacuna de resistência a um tempo que massacra, mas sem deixar de acompanhar essa vida pulsante e jovem que vibra num centro de cidade. era tanta cor, tanta gente bonita, diferente. era marrom. era de-verdade. o prédio antigo.
foi na mesa bem na encruzilhada que sentamos. eu você e ele, que me levara ali, dani. ele é desses moços que tem gosto do marrom. tem um riso fácil. uma sapiência delicada e sutil, disfarçada num olhar fugidio e profundo,e meio maroto. no sotaque arrastado. o encontrei me fotografando e desde então assim tem sido. mas o menino que se mascara com vestes de onça me mostra o óbvio com o sorriso de quem só faz o que é preciso e assim o é-menino, com a calça larga, a camiseta regata-homem das responsas, dos trampos. é um encanto que eu desvelo em silêncio e ele mal sabe das coisas importantes que ele me lembra de mim. que os rabiscos da sua parede me revelam lições importantes que me salvariam dessa agonia que me toma os dias, não fosse eu tão viciada nessa de sentir dor. ele é leve. mas uma leveza de quem sente dentro todo o peso. menino do cárcere e por isso, livre de dentro pra fora.
hoje dani, dançamos à luz lilás de luminosos na parede que delineavam rabiscos feministas. a noite era de rinha de MCs. mulheres do verbo e do ritmo. poesia. ação. eram tantas. tão belas. beagá me saudou no seu melhor. tinha suor. tinha vida. tinha luta. e estávamos lá.
enquanto te conto ainda sinto o gosto doce do afeto que me acende por dentro. depois de tanto machucado, por dentro, por fora. tanto descuido. tanto medo, hoje eu durmo com o gostoso que é sentir o fogo do gostar por dentro. uma cidade nova se abre. me reencontro com meu canto que gosta com a paciência eremita. ainda assim, tudo solto na plataforma do ar, mas hoje quis te contar, porque parece que me fiz alice das páginas de tuas maravilhas, dos teus versos que captam o entre do tempo e das coisas. é nessa fresta que amarra os dias e as coisas que esse dia se fez, que esse afeto se dá. peguei na sua mão e mesmo sem estar em ítaca, hoje eu me rabisquei na tua navegação, justo aqui nessas montanhas e bem longe do mar.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

era só a amy

"só mais uma então e a gente entra". - tá. o som de abelha do celular na imensidão de um céu estrelado - meia luz, que a lua hoje foi só um fiapo.
de "let it be" a play pulou pra amy. fechei os olhos e lá estava eu na cozinha da pocilga. você com a ponta do nariz não mais vermelha que os lábios - como sempre. na minha ilha-de-edição maluca tem carteado, a larica do doce de leite feito do leite trazido a venda da esquina (antes de ser gourmetizada, bom que se diga!) e o açúcar cristal. você, é claro, com um cigarro entre os dedos, olhos curtos como os meus agora. aquela luz branca da casa toda, menos da sala. - aliás, como nunca se pensou numa outra luz pro canto mais agradável da casa?

"não, porra. amy não. não é que eu não goste da amy." "...é... eu não gosto"
mas antes que eu pudesse ouvir o resmungo do charlie, vieram os olhos do kurts - que ao mesmo tempo era casa, vídeo-game, piadinha, riso, ursinho, silêncio, causos, sãopaulo, sotaque, ideias mirabolantes, teorias pra tudo e observação - nerd. "já falei... ficam ouvindo amy o tempo todo. tem que ouvir as que inspiraram, as que ensinaram..."
e assim, foi assim, que eu levei a Billie pra casa. e então os carteados com o casal japa passaram a ser ao som da Lady. e esse disco rodou tanto tempo...
é, rena, deu saudade de cantar essas coisas. não.  não cantei muito. e talvez por isso da saudade.
palavrão dizer isso, assim, a essa hora. s  a  a a   u u u   d a d e
mas é que enquanto a caixinha de abelha soa amy a la diva, numa balada, e eles ali discutem sobre os arranjos do show-tributo do próximo sábado - eu avoei pra lugares que nem sei procurando cada um de nós. cruzei oceano pra ver o negão. a outra não sei se já voltou dazoropa... mas tantos de nós não tenho nem ideia...
o chico morreu, cê viu né?
não consegui não lembrar do malária e da foto que tirei certa feita dos dois:  malária, um pupilo diante do professor chico e a sabedoria highlander de buteco.
e quando penso no chico só consigo lembrar da basola no bar-do-tê. - das promessas de amor de velhice, esses reencontros já velhinhos, cabelo branco: ele dono de buteco, com mulher e filho e eu chegando de sei lá onde, abrindo um sorriso, tomando uma (se saúde ainda tiver) ou apenas sacando o violão sem dizer muita coisa além do que se canta "se dane o evangelho e todos os orixás".) - é. acho que nunca te contei dessa brisa...
quanta coisa!
e era só a amy. - nunca será "só" a amy.
e quando lhe tiver fluidos pra isso, toma conta de nóis daí.


"vamo entrar, turma?"


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

mas por que então fizeram isso? não viram que era loucura e não fazia sentido algum? tanto espetáculo, papel e todo o resto?
fizeram porque se deram as mãos. sabiam, mesmo cegos de si, onde doía a dor de cada um. cães guias de cães guias, alertando pelo faro, pelo instinto de salvar o outro - porque, mesmo sem querer, queriam que os salvassem de si próprios.
fizeram sobretudo porque gostam de se queimar. calor: arde, queima e encoraja.

hoje preferem lamparinas. falam ainda, muito, mas mais baixo e com parcimônia. estão separados, mas enxergam, ainda que pouco. não deixaram de ouvir. tropeçam sozinhos sendo seus próprios guias. interiorizam o cão no homem, o homem no cão. e nenhum passo é tão prazeroso quanto o que se dá com as próprias forças.
e se acaso os seus passos, patas e rastros se cruzam, agora elegantes em suas próprias dores que são, continuam guias, sábios e parceiros, não um do outro, mas cúmplices na grande tarefa de existir sendo o melhor do que se é pra si mas sobretudo, pela tarefa lhes dada pelo grande tempo.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

vestida com a saia de minha mãe e óculos escuros que ganhei essa semana de uma gaveta antiga, a la anos 80, eu atravessei minha cidade à tarde. sol à pino pra levar um abraço e um doce para minha prima. aniversários. gosto do meu e dos outros. ia ser breve. que fosse então na cozinha.
já na entrada da casa estava dona Odete, matriarca, minha avó paterna, que há quase duas décadas fez a passagem, ali, desenhada pelo meu irmão na parede da casa da tia. 
e mexia o doce na panela enquanto ouvia os casos, botava a vida em dia. e o tempo era o sol gostoso, o vento leve, o pão de queijo quente sobre a mesa. em breve eu sairia dali pra ouvir um homem me fazer chorar com sua canção sobre um jipe...ah, manuel. audaz.
mas antes vi adentrar minhas tias casa adentro e voltei no tempo e fui criança num domingo. domingo de passar na casa-davódete. e então ganhei meu belo presente do dia, da vida, de existir:
"hm... que cheiro gostoso de doce... ai! lembra o cheiro do doce que a mãe fazia..."
adociquei a memória de minhas tias com o cheiro da vó. e sorri pra ela que me olhava ali, em grafiti, parede e luz. e dentro.
e lembrei do presente que me deu, o único, dias antes de morrer: uma miniatura de uma talha. filtrar a água. benzê-la.
hoje eu fui filha de minha vó, mãe de meu pai. hoje revi meus pais musicais da infância e falei com eles sobre filhos que eu vi nascer. me senti imperatriz de mim e capaz de falar das coisas do mundo. e vi meus pés fincados na terra onde nasci, na terra onde cresci e vi todo o mundo que corri dentro de mim.
hoje agradeci ao chorinho de terça, ao beijo debaixo de um pano verde. à arte do encontro - me lembrei de mim e me vi adiante.
gracias a la vida e aos seus claros mistérios.

domingo, 27 de setembro de 2015

são paulo é um rio

"são paulo é um rio".

um não. vários. nasceu da confluência deles, no vale entre três deles. mas sobretudo estar em sãopaulo muitas vezes é como tentar ficar parado no meio da correnteza de um rio: é um exercício imenso de tensão dos músculos para não se deixar levar pela correnteza.

como pode uma cidade sem água com tanta água correndo debaixo de seu concreto? é impossível caminhar mais de 200 metros sem passar por um rio, dizem. e ainda assim, tanta gente sem água. como é possível uma cidade sem água se quando a chuva vem, tudo se alaga e a água, em toda a sua fúria nos devolve a destruição.

é isso. o afeto. existe sim amor em sãopaulo, assim como existe água. só não se tem tratado bem de ambos.

é bonito falar sobre os rios, sobre as águas, sobre as entidades femininas que as representam e guiam. belas no altar. mas e no ato, o que fazemos com elas?
o que fazemos com nós mesmas?

foi do encontro de duas mulheres, machucadas pela vida e tantas vezes por elas mesmas. o encontro numa cidade que desperta paixões, pulsões, solidão, fúria, acalanto, dor e prazer. o questionar-se sobre tudo isso e tanto mais que nasceu o desejo de fazer gritar o feminino sofrido, a água doente em procissão pela cidade.

em breve todos teremos que ter nosso modo de benzer essa água que há fugidia, furiosa, maltratada em são paulo.

oremos, desde já.

e olhemos para as ruas e os rios. esses que estão lá: canalizados, retificados, poluídos, mas estão e são a alma dessa cidade.

"são paulo é um rio" é uma performance em construção de isabela morais e érika malavazzi.

ganhou as ruas pela primeira vez dia 07 de setembro de 2015, pelo centro da cidade, da rua aurora pela Praça da República, Teatro Municipal, Vale do Anhangabaú até a Ladeira da Memória. e há de ganhar novo chão. - que ainda nos pulsa o desejo de ser rio, de ser grito, de cantar e rezar, denunciar e ser nessa babilônia.

essa foto é anderson carvalho e integra a exposição do Picadeiro do Yelp, amanhã, 28 de setembro, no centro. uma das 30 selecionadas.

agradecemos pelo registro de anderson.
pelo figurino de Sandro Freitas
e todo o apoio do Estúdio Judith Paissandu

e a todos cuja arte e versos nos ajudaram a entoar esse grito pela cidade
desde os cantos das lavadeiras, os sambas de coco, as palavras de Micheliny Verunschk, as canções, de Douglas Geermano, Kiko Dinucci e Dea Trancoso, aos amigos próximos e distantes com a sua dose de coragem.

"devagar, devagar
rio não para de correr"



terça-feira, 22 de setembro de 2015

cê acha que eu sou um rato?!

e é sempre assim. o lugar onde as fichas me caem (algumas delas) é o bar. "toca um cazuza, então" - me pediram, ao pé do ouvido, com segundas intenções travestidas de olhar pra dignidade. toquei simples e fácil na ponta do dedo: "disparo contra o sol, sou forte, sou por acaso. minha metralhadora cheia de mágoas. eu sou um cara".

ao refrão, foi inevitável não lembrar da cena, mais que da cena, da pergunta:


"Cê acha que eu sou um rato?"


talvez "Que horas ela volta?" já valha simplesmente por essa pergunta. que o filme se repete, se dá e se entrega didaticamente, quase como "O som ao redor" as vezes faz - vide a ~SENSACIONAL~ cena do plástico da revista-veja- durante a reunião de condomínio, tudo bem, é verdade. mas pensando agora, só de ter construído sentido para essa pergunta o blues já valeu a pena - pra citar o velho Chico.

eles estão com os pés na piscina, a filha da empregada e o filho da patroa. ele pagando de legal oferecendo o baseado. ela, cansada, exausta de testemunhar e, mais que isso, viver na pele a contradição da vida da mãe nas relações mais simples como "a mesa do café" "o chão que eu limpo" "o tempo que eu gasto com o filho dos outros mais do que gastei com a minha própria filha a vida toda...", bem, a filha da empregada, exausta, fuma o baseado e demonstra toda a sua vivência [que está mais no que não diz do que no seu esteriótipo de "coitada... ela vai prestar FAU"] no olhar que lança à pergunta: "você é virgem?"

só ali, ao menos pra mim, ficou claro que a vida da filha da empregada é a própria repetição da mãe:
  "ainda somos
os mesmos
e vivemos"

jéssica tinha um filho. a foto 3x4 que a mãe vira no livro. jéssica também o deixara pra trás, tal como a mãe o fez.
o menino-patrão excitado sobre virgindade como quem se preocupa com outras levezas da vida, mal sabe, que ela ali, além de já conhecer o sexo, já conhecia também o parto. ~dos que gera, e dos que deixa.
porque sim, lembremos todos, que mais do que o quartinho de empregada que o moço dO Som ao Redor, Kleber Mendonça Filho, demonstra até literalmente, desenhando no curta "Recife Frio", ou no esmiuçar do "Eletrodoméstica", uma das heranças da escravidão na relação de ainda hoje empregada doméstica, passa pelo crivo do corpo.


o corpo e o aninhar-se do sinhôzinho nas tetas grande da Regina Casé, ops, da Val.
ou, pra ser mais explícita, o patriarca que pelo encantamento, vindo do tédio da vida que leva, vazia, mentirosa e mesquinha, com piscina, quadros e status, bota a filha da empregada pra dentro de casa, mostra pra ela o mundo, dá quadros e a pede em casamento. a tensão sexual no ar.
 - bem, é ele quem olha da janela desgostoso, lá da varanda do quarto, os dois jovens fumando um com os pés na piscina esvaziada.

esvaziada?
cheia de ratos.
tuas ideias não correspondem aos fatos...

bom, o caso é que a piscina é bem de luxo. dormir no quarto de hóspedes, ainda vai. comer escondida na cozinha, vá-lá "sua mãe é parte da família". mas na piscina... assim, de roupa, às gargalhadas e sem constrangimento, de igual pra igual, em prazer corporal com o meu filho?
aí não.

se eu não gozo, ninguém goza.

e aí, eu compartilho minha sensação de esteriótipos novela-das-6-da-rede-globo.
um grande amigo meu esses dias reclamou via Facebook que a galera não fica fazendo dramalhões nas ruínas de Auschwitz, mas que no Brasil a gente adora fazer novela em fazendas escravocratas...

e filmamos os porões. e damos "dignidades" às escravas de casa. às donas chicas, as pretas cozinheras... àquele pretinho que vai falar com o português errado, meio rápido, olhando pra baixo, sempre à disposição do sinhozinho.
se não, ele é safado, folgado, tá tirando por cima dos irmão e dos patrão, filho da puta que se morrer no final da narrativa, é até um alívio.

 - ai, ai. se soubessem como as coisas eram pralém do dramalhão.. ai ai... a delicadeza do ofício, a sutileza da estratégia, o traçado nobre dos serviços sutis, desde o ferro que forja à política que liberta, passando pelo tabuleiro "inocente" que passa recados e articula toda uma teia de micro-poder que gera a liberdade. - é que não é assim que contam na escola...

pois bem.
veja só a cena. o dono da fazenda, um senhor mais velho sente ciúmes do filho que se encantou com a escrava da casa, a filha, nova e cheia de encanto e curiosidade.
e a brecha, aceita por todos nós -  Ó COITADO DOS HOMENS! - é porque a esposa é uma mocreia, só pensa em futilidades, o dinheiro, a distância. é uma mulher carrancuda, mal humorada. sempre ela, a louca.
veja a cena, então, da sexualidade dos debaixo explícita junto ao prazer, ao baixo, ao animalesco, enquanto à senhorinha da casa é recheada de virtuoses romanescas, empecilhos amorosos, desencontros, provas do verdadeiro amor.

"Mino, escravo de Albino Rocha
Dançou com sua cabrocha
Na beira do Ribeirão.
Ela, escrava mais geniosa,
Dançou com menino prosa
Na beira do Ribeirão.

Mino, escravo de Albino Rocha
Dançou com sua cabrocha
Na beira do Ribeirão.
Ela, escrava mais geniosa,
Dançou com menino prosa
Na beira da imensidão.

Ribeirão sangrou
Ribeirão vazou
Ribeirão morreu de dor de amor.
Ribeirão sangrou
Ribeirão vazou
Ribeirão morreu de dor de amor." [Ribeirão  - Rodrigo Campos - Bahia Fantástica]

***
antes dessa empregada, o que fez fervilhar minha timeline tempos pra trás foi a narrativa do clipe "Boa Esperança" do Emicida. Para o bem e para o mal. Eu mesma levei umas 3 ou 4 vezes assistindo o vídeo pra fichar cair e embasbacamento clarear. e o debate rendeu, dias, semanas... prós e contras, da narrativa utópica, da revanche, da gota dágua, da forma-conteúdo, do que se diz como e quando e porque e pra quem. - louvado seja já por isso! debate: com furor e respeito - mas nem sempre, porque discordar ainda é visto NO PAÍS DA CORDIALIDADE - e assim como parece que se leu nas coxa Gilberto Freyre às vezes parece que leram mais mal ainda Sérgio Buarque e as Raízes do Brasil, na beleza que uma leitura weberiana criativa pode ter sobre o Brasil - discordar aqui ainda é falta de educação.

[dai uma das causas do ódio toxicante do Facebook e o maniqueísmo na visão e suposta resolução de problemas...]

bom, o clipe do Emicida traz uma rebelião de doméstica e a gota dágua de uma situação DE SÉCULOS de opressão. entre tipos de gente, tipos e variações de respeito e dignidade humana. - que ali também passa pela dignidade do trabalho, mas tem a ver com algo ainda mais elementar e básico.
tanto que o áudio da descrição da rebelião que finaliza o clipe, no "gênero do discurso" âncora-de-jornal-nacional revela que uma das reivindicações da imensa onda de rebeliões que assola o país de norte a sul é MAIS RESPEITO.
bem, não é de hoje, nem de ontem que estamos falando da relação daquelas que passaram a ter direito a FGTS... não mesmo.

e nesse sentido, só pra sair do círculo vídeos, filme,
a tirinha de Kiko Dinucci da série Classe Idade Média é igualmente didática:




mas, voltemos à piscina.


Anna Muylaert gosta delas.
a primeira personagem que nos é apresentada nesse filme é ela. a piscina, mas naquilo que dizem por aí, possam chamar de uma relação de fronteiras borradas: a piscina é o objeto-tanque-d'água, mas um sujeito de uma relação social que instaura ao estar associada a um locus, ou pra aumentar o palavrão: a um cronotopo. relação de tempo e espaço. como isso se dá.
ali o menino, criança, se diverte sozinho com a babá e interroga pela mãe. e com a mesma naturalidade que quer saber da mãe, quer tentar entender porque cargas d'água a empregada, tão querida, de corpo, ninho e afeto e PRESENÇA não pode entrar na piscina.

"mas ó, se ele te chamar pra nadar tu diz que não tem roupa de banho" - assim como fizera a vida toda, a mãe ensina pra filha - desabusada que já toma café com a patroa e dorme na casa-grande -
qual desculpa dar.
mas daí se junta a fome com a vontade de comer. o filho da patroa cheio de hormônios e vida. o sol escaldante. ela e a vontade de nadar. pronto. tá feito. ali de roupa e tudo na piscina do patrão. opa. da patroa.
que vê aquilo e surta.
e em menos de cinco minutos liga "pro cara da piscina" e diz que teve um problema. é. precisa trocar a água. "eu vi um rato."

e ali se desmorona com sutileza toda a fachada da cordialidade da patroa que é grata à mulher que criou seu filho.

durante o baseado ela pergunta então, faceira, desbocada, relaxada, cansada, exausta e irônica, ligando todos os pontos que passam por ela e por tantos outros lugares: "cê acha que eu sou um rato?"


Anna Muylaert gosta de piscinas porque também é numa delas que começa outro longa seu:
"e além de tudo me deixou mudo um violão".


a história de uma menina que lida com o alcoolismo e a frustração da mãe inglesa no país dos trópicos diante da separação e de uma vida que não leva mais. a menina que aprende a mentir no mercado, a roubar o vinho que sustenta a o vício da mãe. que frita seu próprio ovo. e que de tanto lavar sua própria roupa já que a mãe é incapaz "e também não contrataria uma empregada visto que isso é coisa do Brasil. Na Europa nãos e faz isso", bem, de tanto ir à lavanderia acha o violão que desencadeia as paixões do resto da narrativa.
filme lindamente costurado em sãopaulo e a trilha dOs Mulheres Negras, seja em ato - um professor de música e um vendedor de instrumentos dA Teodoro, sejam cantando o passeio "Imbarueri".

Anna pode ser sutil. O serviço doméstico ali feito pela menina que estuda em escola bilíngue é quase um sacrilégio diante da irresponsabilidade da mãe. Mas e se nossa menina fosse preta, é, mais melanina, e POBRE? normal carregar o irmão no colo, enquanto faz comida, não?
e aqui não há juízo nenhum sobre o serviço em si, mas sobre a relação social na qual está instaurada.


explico.

fiz uma grande amigo lavando louça.
é.
noite de sábado em casa, no ninho, com os amigos, vinho, comida, violão... casa coletiva, melhor ajeitar as coisas, ele se levanta também vai pra cozinha e diz que quer lavar a louça. eu disse: "é memo?" - porque assim, eu não curto quando eu tô muito na pegada de lavar e alguém me diz pra não fazer isso, como se fosse uma ofensa, como se minha mão fosse cair, etc etc...
nos entendemos ali. que lavar a louça é um cuidado.
consigo. com o outro. uma forma de amar. ele, bunitinho, capricórnio com ascendente em câncer: AMA CUIDAR DOS OUTROS. mesmo.
e ali rolou uma sinceridade e essa percepção, confirmada, de que o problema não é coisa em si. lavar louça não é um serviço menor AO CONTRÁRIO.  e que é da-ora poder oferecer isso para o seu próprio lar ou para o canto dos amigos.

"cozinho porque gosto de comer", sempre diz o mestre quando comentam do seu gosto e habilidade com a comida.

mas esse mesmo mestre da frase acima também foi o mesmo que me jogou na cara meus habitosinhos-pequeno-burgueses-de-gente-que-sempre-teve-empregada-em-casa-e-nunca-precisou-lavar-uma-cueca-e-nem-arrumar-a-cama.

e é. tá marcada no corpo da gente. é fato.

e desconstruir um hábito é fazê-lo descer degrau por degrau.

minha relação com o serviço doméstico de ser SERVIDA SEMPRE só se alterou quando eu fui embora de casa - privilégio classe média estudar fora, na pública e morar em república - mas sem esbanjar grana a la playboy e ter que aprender a esfregar roupa, desentupir pia, entender que o lixo dela não vai embora sozinho - nem ele e nem o de canto algum da casa - a deixar banheiro limpo - ou seja limpar a merda do outro - e todo o resto da porra do toda.

e isso transformou minha relação com a Rô quando voltava pra casa aos fins de semana. e também com meus pais "deixa essa louçaí, a rô lava amanhã". "aii... que bunitinho... ela cozinha"...
quando ia pra cozinha e pegava a mesma faca velha, quase sem corte e dizia "minha mãe precisa trocar isso [e porque não eu né?]" "já falei, mas..." "é porque não é ela que usa..."
ou ainda sobre a máquina de lavar, o tanquinho "maria, precisa trocar" - mas sempre tem outras coisas com as quais fazer milagre com a grana... "é porque não é ela que lava a roupa."
e aquilo pra mim claro. e óbvio e doído.

eu vivi a ausência da mãe que trabalha fora um tempo. até uma aluna do primeiro ano do ensino médio responder numa prova de sociologia o absurdo que a nossa sociedade que obriga a mãe a trabalhar fora e não poder cuidar do seu filho... eu nunca tinha visto a coisa por esse ângulo.
por que a Val não pôde cuidar da própria filha? por que a patroa não cuida do próprio filho?
que horas elas voltam?
porque aí, passa por outro lugar, que não apenas o da emancipação da mulher que "pode-trabalhar-fora-e-ter-uma-carreira" e a pessoa que me fez enxergar a resposta da minha aluna dessa forma, foi justamente a minha cunhada - mulher super bem resolvida consigo, com o ofício que escolheu e que não via sentido algum na vida voltar pro trabalho apenas 4 meses depois de ter dado a luz...
essa mesma sociedade que nos faz ter que achar meu irmão um super herói simplesmente por ser pai e dividir a funça com a esposa, de cuidado, de tomar conta, banho, fralda e o escambau porque os horários dele são mais flexíveis...
agradecemos pelo mínimo - e isso também é resquício da cordialidade daquele que mira subir pelo apadrinhamento do opressor. - passo que o leva praticamente irremediavelmente a se tornar um assim que tiver alguma brecha...

que horas?

mas outras relações são possíveis nesse tempo-espaço do serviço "doméstico"

foi esses dias mesmo, uma amiga - dessas recentes, de pouco suor, mas que parece que de uma (ou várias) vida inteira, ela, que tem um espaço. é. um... bar. não. restaurante. ah! não sei. ela cozinha atrás do balcão com a mesma dignidade desses homens que trampam nessas padoca-faz-tudo-24h-de-sãopaulo. ainda que ali se venda cerveja cara, artesanal. o prato tenha o requinte e cuidado. onde se pode escolher o que se oferece para que se faça sempre com cuidado e amor - outro tempo, não o da máquina. - enfim,um canto prova de amor pelo ofício e pela cidade.
ali Ná Conceição. é. a gente sabe como é banheiro coletivo. de balada. aquele do meio do rolê. ou o banheiro de rep que muita gente usa e vira aquela narquia...
pois bem. o banheiro entupiu.
a reação na balada é o nojinho, a ponta dos pés e o pular pra outro lugar minimamente, quando há.
ali, estávamos em casa. mesmo que não fosse. mas com familiaridade e carinho e cuidado o suficiente para aceitar uma das frases mais belas: "se você vê uma tarefa, ela é sua".

bom, quando eu saí do banheiro pensando que pegaria a sacolinha que sabia onde tava pra trocar o lixo, chegava alguém que tava no corre do desentupidor. um amigo vê a movimentação e ao fim do rolê, quando a gente já tinha arranjado até o pano pra deixar o chão minimamente, ele chega, bonitinho com um saco de lixo, que ficou ali na pia e horas depois foi de fato bem útil.

 o freezer alagou já no fim da balada, é. transbordou gelo derretido por todo o chão escorregadio. eu já meio alta vi a movimentação de longe e ouvi alguém dizendo que pegaria o rodo. "cadê? achou?" "não tem. tá quebrado". eu, vizinha-da-balada vim em casa e peguei os dois rodos e levei, atravessando a noite do centro e cheguei convicta. arribei a barra do vestido, descalcei as sandálias e deslizei no alívio refrescante da água gelada nos pés do calor de sãopaulo. e fiquei ali...teeeeempos até a mão inchar puxando água. e as vezes eu ouvia a possível voz do outro na minha cabeça, antecipando, imaginando "não. não faz isso" ou ainda possíveis admirações "noosssa... a la..."
mas não. tava todo mundo de boa. de boa MESMO.
tanto a galera bebendo uma, que tava satisfeita em pisar no chão alagado e em alguns papelões - solução provisória, tanto eu que agora tava relaxada, curtindo o calor e a vida enquanto ouvia "Down by the Seaside" cantando Led na maior altura. ali. diante de taaaaanta gente que eu admiro e que é só gente. que faz aniversário. que canta. conta causo. faz piada. se impressiona com a beleza das coisa...
todo mundo de boa, como quando meu amigo lavou a louça do jantar de casa.


é hora de perder a paciência. matar o velho mundo dentro de nós  - e ó que apesar do causo bonito do final, eu tô bem longe de ser coerente com tudo que disse e minha relação com as pessoas...
mas sobretudo, é hora de ter fé no afeto, na possibilidade utópica e papável de se construirem outros lugares, outras relações... o novo, enfim. feito que mesmo a sujeira que fomos. e seremos até parir o dia que virá.



***

em tempo:
já que o estalo se dá com o Cazuza no boteco, continua pelo chão do Conceição Discos, nada como terminar com canção empregada-cozinha-sala de estar-apartamento.

a bossa nova cumpre seu papel de contradição no filme de Anna. uma das poucas canções de todo o filme é justamente "Águas de Março" tocada justamente na festa de aniversário da patroa. - bossa status nova. - cena em que se explicita a ingratidão e a vergonha que a patroa sente de Val.
pois bem, a dita primeira bossa-nova da história nasceu do assobio de uma empregada:

"No livro Chega de Saudade, de Ruy Castro, há uma passagem falando que Tom se inspirou num chorinho que sua empregada costumava assobiar quando foi começar a compor Chega de Saudade."


domingo, 12 de julho de 2015

celebro
as nossas pernas mancas
nossas ancas tortas
nossos beijos de fada
nosso fogo de bruxa

agradeço
nossas diferenças
de idade, de fé, de postura
de cor, de lamento, de estatura

observo
o silêncio, as chagas, os risos
cada lágrima
o olhar atento pra quem vem
a devota prece pra quem foi

bendigo
as trocas, os testemunhos,
os olhares e os causos

e teço
entre lembranças e agoras
conselhos ao acaso
e os dados em boa hora
minha própria arma-dura
de aprender
sobre amor
como apoio e leveza

[gratidão]

terça-feira, 7 de julho de 2015

ou nada


umas três ou quatro vezes eu tentei em vão te mandar essa mensagem. não foi. não vai ser agora. mas que-se-foda. tem que sair. sair porque eu não morro mais de poema preso. não hoje. não mais. fico agora vomitando nas suas arestas, nas suas frestas, nos seus pesares, nas suas ausências. vomito. e saio depois ilesa, passeando nos trilhos do acaso. onde é que nós paramos mesmo? na alameda dos sonhos? as árvores da rua cinco? cores, luzes verdes, massas, manjericão? éramos nós naquele retrato na parede do casebre? ali onde passa o trem, onde se chega e de onde se parte, as casas estão vazias, se não destruídas, à venda. e não há vendas, mercearias. não há resto de coisa alguma. minto. há o peso do que se foi. do vazio. do preenchido de outrora. estou roendo as unhas e nem se quer me lembro que, na verdade, é bem isso mesmo: são os hormônios e não há nada demais nisso tudo. logo passa. sempre passa. eu vi. senti aqui. na estrutura do corpo. cada sensação. seu sexo na minha boca, tua ferocidade em me mostrar que ainda sabia como fazer... e tuas promessas embriagadas de amor eterno, examinando delicadamente como é que eu me dou pra outro alguém. ali, do outro lado do vidro. preparando o bote. não, não é de hoje que eu sei disso tudo. mas é que as nescas, as camadas, os pentes, os sustos. não sei. meu murmuro. estou de ressaca desses corpos, dessas mãos todas em mim. foram muitos lábios, noite passada. fui muitas. e há tempo quero ser menos. às vezes nem ser. nem sei.

terça-feira, 12 de maio de 2015

esquadros

costumava confiar mais nos afetos à distância. a gente ouve tanta coisa sábia sobre o tempo das coisas. sobre o silêncio como grande resposta e momento de contemplação. quando se é expansivo e barulhento demais, mesmo quando se sabe da beleza e da serenidade dessas coisas todas, vivenciá-las é estar sempre de mãos dadas com o desconforto. toda vez que você me chega com essa voz e suas poesias, teus cachos e tua pela negra, eu hesito. sinto que nossa proximidade instantânea, essa intimidade esquisita de mil vidas e tão pouco suor, me toca mais profundamente que a leveza da minha espontaneidade. me calo. quando chegam os teus sinais sonoros, eu ouço e me sinto descoberta. invadida. espero. talvez você pense que eu desdenho - no fundo eu sei que não, mas essa minha dúvida sobre o que você recebe do meu silêncio me motiva a ir lá, te ouvir. deixar tua brisa entrar. e você vem. certeira. voz no tom. poesia. poema. crônica. poema em prosa. outro dia me falava com a palavra de outro de como você precisa desse vício chamado literatura. tenho lido os livros dos olhos dos que se sentam na praça da minha cidade. prestando atenção em cores que eu não sei nome. vendo tudo enquadrado, pronto pra fotografia. estamos tão longe, não é mesmo? e você me acha. e me descobre. e eu te ouço. saiba. te escuto. daqui. e contemplo essa conexão muda. tudo bem. já até tentei algumas vezes te mandar as mensagens pela garrafa. gravar sinais sonoros. ler palavras de outras pessoas. mas não. só não pense que não gosto dessa invasão de intimidade. eu mesma quem abri as portas dela, ao perceber lá atrás que teu riso já não era o mesmo. estou arisca por ser descoberta, por me permitir mergulhos fundos. por admirar a seriedade da intimidade. mas estou aqui. cuidado ao entrar.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

há pouco foi um tiro. agora um choro de mulher. a rua que era escura da fúria da chuva da tarde, agora volta a ser laranja e vejo-a daqui. nem precisei tanto esforço. e é tão fácil que ao olhá-la, procurando o choro, me envergonho, porque ela pode me ver. e eu não penso em nada mais a fazer a não ser fotografá-la. e aí sim, me envergonho e sento. venho digitar essas linhas. 'o que você tem a oferecer a ela?' mas preciso eu? o que me faz crer que eu tenha algo a dar àquela mulher que chora, sozinha, solitária na calada da madrugada. às três da madrugada. cidade abandonada. eu e minhas caixas, misturando a voz da gal com a minha janela de agora, de onde vejo as janelas pra onde vou e a janela de baudelaire. minha vida num monte caixas pela cama, pelo chão. os cabides - a lembrança de outra mudança. mais uma vez. e não é a última - isto é certo. enquanto costuro meu agora, meu canto, minha vontade, meu desejo, meu rasgar com os poemas que abro ao acaso, aquela mulher chora. e eu falava justamente dela. é. dela não, mas sim, dela. dessa cidade. e dessas gente. essa, que me estraçalha. dessa gente no chão, no chão. e eu, me movendo devagar, morrendo devagar. morrendo a divagar. e arte então me soa asco, esse que engulo pra viver... de que usar o poema certo, a canção exata, a fotografia mais clara... de que tudo isso amarrado vai mostrar a todos o quanto eu sinto, vejo e me importo. grande merda.

domingo, 26 de abril de 2015

entrenós

você anda pelo vazio da casa. ocupa os espaços. sufoca. mal me ouve chegar e é como um suplício, uma perda. tenta me acessar, mas minha estupidez te manda pra longe e você nunca se cansa. insiste. vez ou outra em lágrimas. me pede desculpas por dormir, não aguentar. se culpa pelo meu não. pelo meu olhar perdido no meio da tarde, olhando um inseto que parece zombar de mim. se alegra com bobagens que eu faço questão de menosprezar, assim como você também não tem a menor paciência com os seus. cuido dos teus rituais: apagar a luz, fechar as portas, sempre números pares. rimos sim. de bobagens pequenas que criamos com as coisas pequenas, com as pessoas de fora, as de longe, de sangue, as de tevê. zapeamos até o sono. o teu, inconstante e necessário. o meu, conforto e luxo, constância de fuga e solidão. e nos achamos vez ou outra quando se permite um tempo mais elaborado de sim e não, de franqueza. de resto, eu morrendo por dentro, amargurado de tanta espera, impotente das minhas potências, do gestar do gerir, me nego à tua ajuda. me nego à fraqueza do pedir, porque te fazer sentir culpa pra mim é ainda mais pesado. que te prives dos doces, que tantos gostas e ris como menina a cada vez que açúcar que lhe corre as veias. que te prives dos pequenos prazeres pra mim é dilacerante. não é culpa tua meu fracasso. é temporário. esse mau humor. essa falta de ânimo. tenho vergonha de recomeçar perto de você e conto os dias para que deixe a sua própria casa e me deixe. mas, saiba, pouco avanço também quando não estás por aqui. chego a mal ver a cor do dia lá fora. desses dias que você encara tão resoluta, sem questionar o quanto trabalha, incessante, fazendo milagres, malabarismos com a matéria pouca pra tanto. tanto santo, e todos saem vestidos. e não te queixas, nem te perguntas. você mal quer saber pra onde caminha e essa tua força às vezes me enlouquece. eu não consigo entender essa gana. essa raça. essa vontade de avançar. te quero longe por me envergonhar de tentar minhas pequenezas. essa infantilidade de preencher o tempo com cores, música, leituras e filmes. essa sensação de doente são. doença de alma. frescura. é. frescura. não. não pego leve comigo. isso é coisa de quem pode. tanta merda espalhada pelo mundo e ainda ter teto e calor. ainda acho o que de bom deus vê em mim  pra me dar tanto. eu me aproximo. tenho um jeito torto de ganhar teu colo e me assusto quando tentas tocar meu cabelo. no fundo  - nem tão fundo assim - eu te amo e te admiro de uma força que eu não concebo - porque eu não sou muito de conseguir sentir essas coisas. ao mesmo tempo que choro, estou seco. mas me incomoda teu desespero de me ver levantar do leito pra ir miijar ou tomar um café como eu se eu fosse partir pra sempre. você sabe que mal tenho coragem para ir até a porta... me deixa, mulher. deixa esse bicho. - no fundo eu berro por seu berro e só me guio através de ti.

amused to death

tem alguns meses que ouço um sussurrar estranho atrás das portas de vidro casa. poderia dizer que é o vento que farfalha alto as folhas desse imenso quintal, que são as coisas ele traz, numa poesia cantada ora por lô ora por elis. ou ainda o vento de quintana, cecília. poderia ser o vento de juliana, imensa dentro de mim e minha tradutora. mas não, não. eu ouço um sussurro de gente. há meses esse sussurro entra sorrateiro roçando minha pele, me atormentando as ideias, pouco antes do sono vir. e o sono tem sido grande companheiro. nesses dias onde há pouco o que se fazer - minto - em que há todo o mundo por estar, fazer e visitar, só não há ânimo, permissão interna e externa, senão o vagar zumbi entre acordar, comer e dormir - bom, nesses dias... dormir é uma grande aventura. a cada meia dúzia de palavras sussurradas, uma enxurrada de cenas nos sonhos e pesadelos, com encontros, desencontros, cores, lugares, texturas. dormindo eu ajo. existo. me movo. reencontro gentes. recrio passado. revivo o presente, passado. mas nunca tenho a sensação de viajar pro futuro. e são coisas corriqueiras, mas elas mesmas, quando faltam ao cotidiano, são mais que suficientes pra dar aquela tristeza ao se perceber desperto. e tento voltar ao sono. e vencer a sensação de inutilidade, de ser imprestável ao passar tanto tempo noutro reino que não o dos despertos. despertos? com os olhos abertos, eu vago entre telas, variando de tamanhos, narrativas e capacidades de toque. touch. touchê. de olhos abertos eu ouço o barulho das pombas que se reproduzem, se multiplicam no forro de casa. acordada fico com o olhar perdido. ouço vozes gravadas que me contam casos, dão gargalhadas, recitam poesias, arrancam minha pele. digito palavras. digito gargalhadas. digito te amo, saudade, carinha feliz. acordada dois toques dos meus dedos criam corações laranjas sobre fotos de gente que nunca me viu. desfilam diante dos meus olhos letras, frames, luzes. acordada o máximo que me toca são as cores da chegada e partida do sol. o prazer pequeno de saber o quão frio fará conforme as cores com as quais o azul se pinta quando o tal do astro rei se vai. dizem que eu sou feita do inverno. sou o auge dele. que faço frio em pleno verão. que guardo e partilho de tudo que é de todos. dizem tanto. eu sei é que pareço sentir o torpor do mundo em pílulas eficazes e homeopáticas a cada vez que o sol já apino me conta que não é no mundo de morpheu, mas no seu, que eu devo encarar a narrativa. qual a próxima atração?


domingo, 12 de abril de 2015

ali logo ao lado

é bem clichê dizer que tempo e espaço são relativos. das canções que cantam a agonia longa da espera ou a preciosidade de "cinco minutos, cinco minutos na vida". ansiedade que alonga, alegria que encurta e intensifica. é bem clichê, mas talvez o seja justamente porque quando sentimos a coisa toma uma dimensão dentro da gente, que remexe com tudo por dentro. tomar consciência das discrepâncias de percepção do relativo.

sair da maior "cidade... da américa do sul... da américa do sul... você precisa"... sair de lá e estar numa cidade do interior onde sua mãe acha o cúmulo do absurdo existir um outro doutor fulano de tal, porque nunca ouviu falar dele... essa quase obrigação em saber de tudo, conhecer todo mundo. bom, gera-se o contraste: da vastidão para o pequeno e previsível. do intangível ao palpável.

o que causa o frio na barriga é quando você percebe que seu pedaço de chão, pequeno e monótono também guarda sutilezas. as pedaladas ao por do sol que testemunham uma imensidão de céu, cores, estrelas de toda sorte, toda a tarde - um espetáculo gratuito, banal e corriqueiro [espetáculo sim pra quem via torres de concretos e formigueiros verticais como realidade]. pedaladas pela mesma avenida, "a linha" onde passou tanto tempo...  logo na esquina perto de onde mora um monte de parente, olha-se de relance e pensa "parece ela..." - uma mulher, de cabelos longos, magra, desengonçada e muito bonita - como a amiga de infância. mas então vem o estalo: ela nunca passaria por essa rua, às seis da tarde, a pé, carregando duas sacolas, como quem volta pra casa depois de um dia de trabalho. não ali. não assim. e essa convicção te contorna traços da cidade, das suas vivências e experiências. que cada em cada uma das linhas moram modos de vida. e que essas impossibilidades, aparentemente bestas, mostram de quantos lugares vocês também nunca sairia, passaria voltando pra casa, no meio da semana, a pé, com duas sacolas... ali, na sua cidadezinha, aparentemente sem mistérios.

mas ao mesmo tempo, agorinha, minha cidade saiu do sul de minas e era pelotas. uma carta em voz alta, gravada, contava da vida, da expectativa, da paixão, da agonia, da espera, da vontade e da melancolia de domingo. e ao fundo, o assovio que anuncia que o moço do picolé está passando. ou seria da pipoca... mas ele está descendo ou subindo a rua. ali fora, e podia ser aqui. aqui do lado, bem perto. bem dentro. tão longe. tão aqui. esses cantares, esses clichês... essa magia do banal, no encontro. e as memórias do som.


trilha sonora sugerida, valsinha. não aquela, mas outra. uma prece feito canção de ninar.

domingo, 1 de fevereiro de 2015


para Mariana Campos.


uma passarinha feito milagre de deus
pousou na minha varanda
assoviou serena cantos trazidos dos céus
veio, alimentada de si, alimentar os seus.
a passarinha que fez ninho próprio na ninhada
avoa agora quando quer
e feito um trem
pega a estrada
semeamos no estar e permitir-se, agora
cantos pensados outrora
bondes sonhados outrora
tudo prestes a ser a aurora
u'a passarinha, que tanto ouviu fica
agora vai
avoa
silenciosa
precisa.
o cheiro vinha da varanda. insuportável. não tinha ninguém lá. estava há algum tempo na frente do espelho do banheiro tossindo, arrotando, excretando por todas as vias um fétido arrependimento de ter acendido um. há semanas não queria pensar. quem dera fosse. demorou pra atinar que o cheiro vinha de casa e vinha da varanda. ainda atônita, fechou a torneira e saiu ainda meio cega e zonza. na varanda a lixeira, toda incendiada havia tombado nas caixas de papelão esvaziadas da recém-mudança. aquilo já era uma fogueira e por milésimos de segundos era a coisa mais abençoada daquela quarta-feira cinza. rezou. fechou os olhos e meditava enquanto o fogo aquecia aquele gelado verão maldito. abriu os olhos e ignorava que as labaredas ganhavam força e rumavam à porta de madeira antiga. chegou perto do fogo, estendia as mãos. lembrou do cigarro, que jogou displicente, quase pela metade, na lixeira. era ele. acendeu um cigarro como quem abre uma porta que não se deve. uma vez entreaberta, espiava e já não queria mais ali estar. sai correndo, mas a deixa assim. aberta. era fogo na certa. deu meia dúzia de tapas na cara quando pensou que o apartamento não era seu e saiu em busca de água. a chama era grande. encheu o balde, mais 15minutos não haveria água. era bom que desse. pesado demais, a água vinha tombando pelo corredor até a sala e na varanda o balde já estava pela metade. mirou e jogou. a labareda se conteve um pouco, mas no mínimo uns 5 baldes daquele seriam necessário pra contar o incêndio da casa.
enquanto ardia pensava que sempre teve mesmo dificuldades em terminar histórias. era sempre assim. elas acabavam com ela.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

'foi-se o amor da vida' dizia a manchete do jornal

todo mundo carrega um frio dentro. desculpe me dizer isso assim. sei que você sempre detestou o frio e já disse repetidas vezes que se pudesse o extinguiria da existência. mas todo mundo tem um frio dentro. você tem um frio dentro. eu tive que pensar pra não escrever "tu tem" porque sou ladra de sotaques, de cantos e estou aqui no sul como você (não) deve saber e aqui tem tu, que nem aí, no litoral. é. tu. tu tem frio dentro. pensei nisso numa madrugada aqui, de frente pra lareira, entre vinis, com penteadeira de madeira de verdade - lembra que eu sempre gostei de madeira de verdade né? nossa casa teria móveis de madeira de verdade. meia luz. uma morena com clarinete. um coração em forma de homem que dedilha cordas. um príncipe de conto de fadas. a bela. - aquela ali, estranha, que ganhou uma biblioteca de presente de uma fera. um fogo que se apanha, se saca. uma ideia genial de brilhar os olhos. mesmo que sejamos de um sol fervente, na frente das telas, diante dos livros, construímos memórias arquetípicas de frio europeu, frio medieval, de frio de língua enrolada, lareira e lar. todos carregamos um aquietar-se e aquecer-se. mesmo em silêncio. com cores poucas. mas aqui, onde faz frio, os dias de calor são longos. a tarde cai preguiçosa, cê previsava ver. você viu. tantas. em tantas línguas. ia dizer que me esqueço, mas o prazer em ouvir "carina" valia qualquer outro deslize em insegurança desse coração de cigana vagabundo. você sabe. sabe também, ou deveria saber, que soube da morte da filha do homem. é. a grisalha esbelta. como você gosta. sim. suzana morreu e de novo meu aperto do lado esquerdo do peito não é por ela que faz a passagem, ou pela cantora de sagitário e olhos cor de água que agora chora um mar de amar. o aperto é que eu sei que você sofre. ou ao menos, sente. sente. e eu sinto. sinto tanto. sinto muito. sinto no meu gesto o teu gesto. e cada sotaque, cada encontro dessa arte do encontro aqui nessa terra fria onde, hoje, faz calor... nessa viagem que começa com uma canção, com um filme uma pergunta.
e ainda assim
eu creio que
nem tudo está perdido.

há uma luz
e que grande rio.