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domingo, 12 de abril de 2015

ali logo ao lado

é bem clichê dizer que tempo e espaço são relativos. das canções que cantam a agonia longa da espera ou a preciosidade de "cinco minutos, cinco minutos na vida". ansiedade que alonga, alegria que encurta e intensifica. é bem clichê, mas talvez o seja justamente porque quando sentimos a coisa toma uma dimensão dentro da gente, que remexe com tudo por dentro. tomar consciência das discrepâncias de percepção do relativo.

sair da maior "cidade... da américa do sul... da américa do sul... você precisa"... sair de lá e estar numa cidade do interior onde sua mãe acha o cúmulo do absurdo existir um outro doutor fulano de tal, porque nunca ouviu falar dele... essa quase obrigação em saber de tudo, conhecer todo mundo. bom, gera-se o contraste: da vastidão para o pequeno e previsível. do intangível ao palpável.

o que causa o frio na barriga é quando você percebe que seu pedaço de chão, pequeno e monótono também guarda sutilezas. as pedaladas ao por do sol que testemunham uma imensidão de céu, cores, estrelas de toda sorte, toda a tarde - um espetáculo gratuito, banal e corriqueiro [espetáculo sim pra quem via torres de concretos e formigueiros verticais como realidade]. pedaladas pela mesma avenida, "a linha" onde passou tanto tempo...  logo na esquina perto de onde mora um monte de parente, olha-se de relance e pensa "parece ela..." - uma mulher, de cabelos longos, magra, desengonçada e muito bonita - como a amiga de infância. mas então vem o estalo: ela nunca passaria por essa rua, às seis da tarde, a pé, carregando duas sacolas, como quem volta pra casa depois de um dia de trabalho. não ali. não assim. e essa convicção te contorna traços da cidade, das suas vivências e experiências. que cada em cada uma das linhas moram modos de vida. e que essas impossibilidades, aparentemente bestas, mostram de quantos lugares vocês também nunca sairia, passaria voltando pra casa, no meio da semana, a pé, com duas sacolas... ali, na sua cidadezinha, aparentemente sem mistérios.

mas ao mesmo tempo, agorinha, minha cidade saiu do sul de minas e era pelotas. uma carta em voz alta, gravada, contava da vida, da expectativa, da paixão, da agonia, da espera, da vontade e da melancolia de domingo. e ao fundo, o assovio que anuncia que o moço do picolé está passando. ou seria da pipoca... mas ele está descendo ou subindo a rua. ali fora, e podia ser aqui. aqui do lado, bem perto. bem dentro. tão longe. tão aqui. esses cantares, esses clichês... essa magia do banal, no encontro. e as memórias do som.


trilha sonora sugerida, valsinha. não aquela, mas outra. uma prece feito canção de ninar.