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domingo, 26 de abril de 2015

amused to death

tem alguns meses que ouço um sussurrar estranho atrás das portas de vidro casa. poderia dizer que é o vento que farfalha alto as folhas desse imenso quintal, que são as coisas ele traz, numa poesia cantada ora por lô ora por elis. ou ainda o vento de quintana, cecília. poderia ser o vento de juliana, imensa dentro de mim e minha tradutora. mas não, não. eu ouço um sussurro de gente. há meses esse sussurro entra sorrateiro roçando minha pele, me atormentando as ideias, pouco antes do sono vir. e o sono tem sido grande companheiro. nesses dias onde há pouco o que se fazer - minto - em que há todo o mundo por estar, fazer e visitar, só não há ânimo, permissão interna e externa, senão o vagar zumbi entre acordar, comer e dormir - bom, nesses dias... dormir é uma grande aventura. a cada meia dúzia de palavras sussurradas, uma enxurrada de cenas nos sonhos e pesadelos, com encontros, desencontros, cores, lugares, texturas. dormindo eu ajo. existo. me movo. reencontro gentes. recrio passado. revivo o presente, passado. mas nunca tenho a sensação de viajar pro futuro. e são coisas corriqueiras, mas elas mesmas, quando faltam ao cotidiano, são mais que suficientes pra dar aquela tristeza ao se perceber desperto. e tento voltar ao sono. e vencer a sensação de inutilidade, de ser imprestável ao passar tanto tempo noutro reino que não o dos despertos. despertos? com os olhos abertos, eu vago entre telas, variando de tamanhos, narrativas e capacidades de toque. touch. touchê. de olhos abertos eu ouço o barulho das pombas que se reproduzem, se multiplicam no forro de casa. acordada fico com o olhar perdido. ouço vozes gravadas que me contam casos, dão gargalhadas, recitam poesias, arrancam minha pele. digito palavras. digito gargalhadas. digito te amo, saudade, carinha feliz. acordada dois toques dos meus dedos criam corações laranjas sobre fotos de gente que nunca me viu. desfilam diante dos meus olhos letras, frames, luzes. acordada o máximo que me toca são as cores da chegada e partida do sol. o prazer pequeno de saber o quão frio fará conforme as cores com as quais o azul se pinta quando o tal do astro rei se vai. dizem que eu sou feita do inverno. sou o auge dele. que faço frio em pleno verão. que guardo e partilho de tudo que é de todos. dizem tanto. eu sei é que pareço sentir o torpor do mundo em pílulas eficazes e homeopáticas a cada vez que o sol já apino me conta que não é no mundo de morpheu, mas no seu, que eu devo encarar a narrativa. qual a próxima atração?