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domingo, 26 de abril de 2015

entrenós

você anda pelo vazio da casa. ocupa os espaços. sufoca. mal me ouve chegar e é como um suplício, uma perda. tenta me acessar, mas minha estupidez te manda pra longe e você nunca se cansa. insiste. vez ou outra em lágrimas. me pede desculpas por dormir, não aguentar. se culpa pelo meu não. pelo meu olhar perdido no meio da tarde, olhando um inseto que parece zombar de mim. se alegra com bobagens que eu faço questão de menosprezar, assim como você também não tem a menor paciência com os seus. cuido dos teus rituais: apagar a luz, fechar as portas, sempre números pares. rimos sim. de bobagens pequenas que criamos com as coisas pequenas, com as pessoas de fora, as de longe, de sangue, as de tevê. zapeamos até o sono. o teu, inconstante e necessário. o meu, conforto e luxo, constância de fuga e solidão. e nos achamos vez ou outra quando se permite um tempo mais elaborado de sim e não, de franqueza. de resto, eu morrendo por dentro, amargurado de tanta espera, impotente das minhas potências, do gestar do gerir, me nego à tua ajuda. me nego à fraqueza do pedir, porque te fazer sentir culpa pra mim é ainda mais pesado. que te prives dos doces, que tantos gostas e ris como menina a cada vez que açúcar que lhe corre as veias. que te prives dos pequenos prazeres pra mim é dilacerante. não é culpa tua meu fracasso. é temporário. esse mau humor. essa falta de ânimo. tenho vergonha de recomeçar perto de você e conto os dias para que deixe a sua própria casa e me deixe. mas, saiba, pouco avanço também quando não estás por aqui. chego a mal ver a cor do dia lá fora. desses dias que você encara tão resoluta, sem questionar o quanto trabalha, incessante, fazendo milagres, malabarismos com a matéria pouca pra tanto. tanto santo, e todos saem vestidos. e não te queixas, nem te perguntas. você mal quer saber pra onde caminha e essa tua força às vezes me enlouquece. eu não consigo entender essa gana. essa raça. essa vontade de avançar. te quero longe por me envergonhar de tentar minhas pequenezas. essa infantilidade de preencher o tempo com cores, música, leituras e filmes. essa sensação de doente são. doença de alma. frescura. é. frescura. não. não pego leve comigo. isso é coisa de quem pode. tanta merda espalhada pelo mundo e ainda ter teto e calor. ainda acho o que de bom deus vê em mim  pra me dar tanto. eu me aproximo. tenho um jeito torto de ganhar teu colo e me assusto quando tentas tocar meu cabelo. no fundo  - nem tão fundo assim - eu te amo e te admiro de uma força que eu não concebo - porque eu não sou muito de conseguir sentir essas coisas. ao mesmo tempo que choro, estou seco. mas me incomoda teu desespero de me ver levantar do leito pra ir miijar ou tomar um café como eu se eu fosse partir pra sempre. você sabe que mal tenho coragem para ir até a porta... me deixa, mulher. deixa esse bicho. - no fundo eu berro por seu berro e só me guio através de ti.