Páginas

sexta-feira, 1 de maio de 2015

há pouco foi um tiro. agora um choro de mulher. a rua que era escura da fúria da chuva da tarde, agora volta a ser laranja e vejo-a daqui. nem precisei tanto esforço. e é tão fácil que ao olhá-la, procurando o choro, me envergonho, porque ela pode me ver. e eu não penso em nada mais a fazer a não ser fotografá-la. e aí sim, me envergonho e sento. venho digitar essas linhas. 'o que você tem a oferecer a ela?' mas preciso eu? o que me faz crer que eu tenha algo a dar àquela mulher que chora, sozinha, solitária na calada da madrugada. às três da madrugada. cidade abandonada. eu e minhas caixas, misturando a voz da gal com a minha janela de agora, de onde vejo as janelas pra onde vou e a janela de baudelaire. minha vida num monte caixas pela cama, pelo chão. os cabides - a lembrança de outra mudança. mais uma vez. e não é a última - isto é certo. enquanto costuro meu agora, meu canto, minha vontade, meu desejo, meu rasgar com os poemas que abro ao acaso, aquela mulher chora. e eu falava justamente dela. é. dela não, mas sim, dela. dessa cidade. e dessas gente. essa, que me estraçalha. dessa gente no chão, no chão. e eu, me movendo devagar, morrendo devagar. morrendo a divagar. e arte então me soa asco, esse que engulo pra viver... de que usar o poema certo, a canção exata, a fotografia mais clara... de que tudo isso amarrado vai mostrar a todos o quanto eu sinto, vejo e me importo. grande merda.