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terça-feira, 6 de outubro de 2015

vestida com a saia de minha mãe e óculos escuros que ganhei essa semana de uma gaveta antiga, a la anos 80, eu atravessei minha cidade à tarde. sol à pino pra levar um abraço e um doce para minha prima. aniversários. gosto do meu e dos outros. ia ser breve. que fosse então na cozinha.
já na entrada da casa estava dona Odete, matriarca, minha avó paterna, que há quase duas décadas fez a passagem, ali, desenhada pelo meu irmão na parede da casa da tia. 
e mexia o doce na panela enquanto ouvia os casos, botava a vida em dia. e o tempo era o sol gostoso, o vento leve, o pão de queijo quente sobre a mesa. em breve eu sairia dali pra ouvir um homem me fazer chorar com sua canção sobre um jipe...ah, manuel. audaz.
mas antes vi adentrar minhas tias casa adentro e voltei no tempo e fui criança num domingo. domingo de passar na casa-davódete. e então ganhei meu belo presente do dia, da vida, de existir:
"hm... que cheiro gostoso de doce... ai! lembra o cheiro do doce que a mãe fazia..."
adociquei a memória de minhas tias com o cheiro da vó. e sorri pra ela que me olhava ali, em grafiti, parede e luz. e dentro.
e lembrei do presente que me deu, o único, dias antes de morrer: uma miniatura de uma talha. filtrar a água. benzê-la.
hoje eu fui filha de minha vó, mãe de meu pai. hoje revi meus pais musicais da infância e falei com eles sobre filhos que eu vi nascer. me senti imperatriz de mim e capaz de falar das coisas do mundo. e vi meus pés fincados na terra onde nasci, na terra onde cresci e vi todo o mundo que corri dentro de mim.
hoje agradeci ao chorinho de terça, ao beijo debaixo de um pano verde. à arte do encontro - me lembrei de mim e me vi adiante.
gracias a la vida e aos seus claros mistérios.