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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

brás

"escuta... é coisa da igreja isso aqui?"
"não... não é não... é a exibição de um filme"
"e paga?"
"não.΅
"hm. e é quando isso aí?
"agora. a pipoca é de graça também."
"e que filme que vai passar?"
"é um documentário."
 - interjeições variadas. caras mil de rejeição e resmungos.
"escuta. sabe onde eu acho uma farmácia aberta por aqui? preciso de um epocler."
"pergunta no mercado..."



"moça. sabe onde fica a igreja universal aqui?"
"hm... acho que é só seguir em frente."

enquanto a porta do prédio da rangel pestana 1292 esteve aberta, vi passar o fim de tarde agitado de sábado de muita gente. de olhos aflitos, de passo apertado, de vontade de trabalho e de fim de trabalho. de risada. de saco cheio. sacolas, sacos, bolsas, pacotes. olhos puxados, lábios grossos, varia
ções de melanina.

e toda aquela gente é gente, com história, suor. meia dúzia de sonhos. vontades de amanhã, ou de um daqui a pouco menos zoado.
vistos do alto preenchem galpões, pequenos cômodos. esquinas e feiras e frutas.

e de toda aquela gente, sabia ao certo quem entraria pela porta aquela noite. gente que desceu pela estação do trem no meio de uma concórdia cheia de gente. gente que de fora ouve que ali não é lugar pelo qual se ande. gente que rodeia a cidade em duas rodas, ocupa e se encanta. gente que se aquece no abraço e com a lua no alto.

ali na tela a história em sotaque carioca, de gente removida. décadas atrás. tão diferente da gente, mas tão perto dos recortes desumanos que as capitais do capital costuram.

foi um sábado de atravessar fronteiras.
foi desses dias em que me encharco de amor pela contradição pulsante de são-paulo.