
O cartaz é maravilhoso. aquele mei que roxo mei que lilás mei que rosa, uma mulher se movimentando... dá até dúvida se a gente dá conta de tanta cor. - mesmo que ela seja esse lilás. Mas ali no canto dizia "Absurdamente engraçado" e não sei quantas estrelinhas.
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ao fim da sessão eu chorava. mais por dentro que por fora, que ir assistir a essas coisas em plena lua em câncer é pedir pra se abalar. Frances é uma dançarina. Vive com a melhor amiga, ou tenta e vive aquele período da transição da faculdade e suas projeções e a dureza do mundo adulto. em nova iorque. talvez o absurdamente engraçado venha dos diálogos do filme, que captam o inusitado, pequenas pílulas do que são nossos encontros casuais, nossas conversas em baladas, em jantares com desconhecidos, desabafos poético. talvez seja absurdamente engraçado o modo deslocado da menina que não faz questão de se arrumar, que não é a dançarina-diva, que fala como uma menina, contando causos de uma memória recente de um tempo que não coincide mais com a dureza da cidade. talvez seja absurdamente engraçado vê-la caminhar pelas ruas, saltitante, ou aproveitar que ninguém chegou ainda e liberar seu corpo no palco. ou ainda seu olhar sedento a cada impossibilidade de ser paralém daquilo que ela gostaria.
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...complexo. "o que você faz é muito complexo?"
é que eu não sei se eu faço, diz a menina que passa o filme todo tentando dançar e ser dançarina.
tenta se fixar num local, dá aulas, perde a turnê, e quanto mais a solidão aperta, mais ela afirma a todos, de quem ela se aproxima se afastando, de que está bem e está tudo prestes a dar certo.
Frances agora serve vinho na festa do leilão da sua antiga faculdade. Dá informação a estudantes. Dorme em dormitórios coletivos. Na tentativa de estudar dança, torna-se assistente: assistentes só assistem.
- a busca por um lugar, uma casa, que costura o filme, com seus endereços e suas vidas em cada lugar. - a cidade é o centro do cerco.
o lar do sonhos com a melhor amiga - o quartinho com os amigos ricos, de apê descolado - a casa emprestada - o dormitório coletivo. "enfim meu nome na caixinha do correio".
absurdamente engraçado que nada. infeliz frase essa. a doçura da menina em preto e branco é de um encantamento melancólico. de quem tenta sobreviver numa grande cidade carregando na mala um sonho abstrato-concreto de ser e estar no mundo.

me vi sim.
mas vi muitas outras e tantas pessoas.
vi uma multidão de gente ali. Gente tentando um lugar físico no mundo que nada mais é que um lugar pra si, consciência plena de sua existência e uma brecha nesse caos de prédios, luzes, dinheiros, esperas e desencontros pra poder deixar sua assinatura.
a dançarina por fim é uma coreógrafa que leva pro palco seu jeito de ir vivendo a vida em tentativa e erro, guiada pela intuição e pelos contra-sentidos. os corpos dos meninos são sinceros nos olhares e no movimento que parece desengonçado e ao mesmo tempo que certeiro.

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absurdamente engraçado, o carai.
um retrato preto no branco.
E pra quem chegou até aqui, indico, muito, muito
o texto de Deni Rubbo