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sábado, 31 de agosto de 2013

frances ha

não costumava me importar com aquilo que dizem nos jornais sobre os filmes. ou me importava?  - essa atitude blasè de recorrer a si pra dizer que agora é diferente... ai a madrugada. fato é que hoje contemplando os cartazes dos filmes trombei com uma crítica que era simplesmente: "Adorei. Assisti duas vezes..." - é... oi? mas até aí tudo bem. ok. às vezes é só isso. você gosta e até repete.
Após andar tanto, a gente foi parar numa reserva cheia de salas com filmes que não passam no shopping mais próximo. Um acaso objetivo fez com que nós, três perdidos daquilo que transitava nas salas cult, pudéssemos ter uma mínima referência sobre o que assistir nessa noite: Frances Ha.
O cartaz é maravilhoso. aquele mei que roxo mei que lilás mei que rosa, uma mulher se movimentando... dá até dúvida se a gente dá conta de tanta cor. - mesmo que ela seja esse lilás. Mas ali no canto dizia "Absurdamente engraçado" e não sei quantas estrelinhas.
***
ao fim da sessão eu chorava. mais por dentro que por fora, que ir assistir a essas coisas em plena lua em câncer é pedir pra se abalar. Frances é uma dançarina. Vive com a melhor amiga, ou tenta e vive aquele período da transição da faculdade e suas projeções e a dureza do mundo adulto. em nova iorque. talvez o absurdamente engraçado venha dos diálogos do filme, que captam o inusitado, pequenas pílulas do que são nossos encontros casuais, nossas conversas em baladas, em jantares com desconhecidos, desabafos poético. talvez seja absurdamente engraçado o modo deslocado da menina que não faz questão de se arrumar, que não é a dançarina-diva, que fala como uma menina, contando causos de uma memória recente de um tempo que não coincide mais com a dureza da cidade. talvez seja absurdamente engraçado vê-la caminhar pelas ruas, saltitante, ou aproveitar que ninguém chegou ainda e liberar seu corpo no palco. ou ainda seu olhar sedento a cada impossibilidade de ser paralém daquilo que ela gostaria.
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"o que você faz? - que pergunta besta!"
...complexo. "o que você faz é muito complexo?" 
é que eu não sei se eu faço, diz a menina que passa o filme todo tentando dançar e ser dançarina.
tenta se fixar num local, dá aulas, perde a turnê, e quanto mais a solidão aperta, mais ela afirma a todos, de quem ela se aproxima se afastando, de que está bem e está tudo prestes a dar certo.
Frances agora serve vinho na festa do leilão da sua antiga faculdade. Dá informação a estudantes. Dorme em dormitórios coletivos. Na tentativa de estudar dança, torna-se assistente: assistentes só assistem. 
- a busca por um lugar, uma casa, que costura o filme, com seus endereços e suas vidas em cada lugar. - a cidade é o centro do cerco.
o lar do sonhos com a melhor amiga - o quartinho com os amigos ricos, de apê descolado - a casa emprestada - o dormitório coletivo. "enfim meu nome na caixinha do correio".

absurdamente engraçado que nada. infeliz frase essa. a doçura da menina em preto e branco é de um encantamento melancólico. de quem tenta sobreviver numa grande cidade carregando na mala um sonho abstrato-concreto de ser e estar no mundo.

nesse momento vem à cabeça: isabela, pára. isso já tá ficando autobiográfico demais. tá todo mundo sacando que você tá falando há parágrafos desse filme porque você se viu ali na telona...
me vi sim.
mas vi muitas outras e tantas pessoas.
vi uma multidão de gente ali. Gente tentando um lugar físico no mundo que nada mais é que um lugar pra si, consciência plena de sua existência e uma brecha nesse caos de prédios, luzes, dinheiros, esperas e desencontros pra poder deixar sua assinatura.

a dançarina por fim é uma coreógrafa que leva pro palco seu jeito de ir vivendo a vida em tentativa e erro, guiada pela intuição e pelos contra-sentidos. os corpos dos meninos são sinceros nos olhares e no movimento que parece desengonçado e ao mesmo tempo que certeiro.

Frances Ha é um belo filme. um registro poético, intenso ao mesmo tempo que sutil e emocionante da bonita solidão de um homem só (e andar). essa dança de quem se aperta no existir, desliza, se encanta, sofre, e se descobre dona de si, nos passos tortos que dança ao andar.

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absurdamente engraçado, o carai.
um retrato preto no branco.






E pra quem chegou até aqui, indico, muito, muito
o texto de Deni Rubbo