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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

teu fogo, anna.

Ana me chamou pra ir ver o que tinha do outro lado do escuro, além da sombra. Ana não tinha medo de quase nada. como quem pega o cigarro e sai do bar pra alguns tragos, Ana sumia no mundo. Ana me fez o convite, já sabendo que eu não daria conta e duvidou de mim da primeira vez que me viu. ainda assim ali, lá. nós. os olhos esbugalhados. Ana só tinha medo de ser desvendada. de resto, gastava horas construindo linhas, edificando palavras e traduzindo rostos pintados.
ana sumiu.

anna me cortou. assim. inteira. o som da voz de anna me invadia e devagar eu já ia virando anna. mas anna se dava como quem se preserva. rodeada de ninguém, anna se deu em folhas e eu fui distribuindo annas.

não tinha compasso certo. a gente dançava no ziguezaguear da calçada. pulando na descida da rua nova, de frente pro templo daquilo que vale, eu me entregava numa pirueta e virava estrela. ana desconsertada, sorria com o canto no lábio, me olhava debaixo pra cima.

hoje rezei pra ana. abri-lhe as pernas, beijei-lhe o sexo. quis que ela se achasse em si. as cartas sobre o pano rosa. a vela sem castiçal. [anna me cria desimportâncias]. passo as tardes bobas e adolescente pensando nas bobagens de ana, na liberdade de anna, na ousadia dos seios livres debaixo da camiseta. os cabelos crespos. os cabelos vermelhos de anna. trovoa.

um gole de cachaça em plena lapa. ana me fotografou no flagra. não tinha unhas coloridas, mas reclamava. ana se entristeceu com o cigarro que a grávida fumaça. dei um pouco de anna por ali. rasguei nossas páginas e pintei os lábios. tatuei os poemas. nos espalhamos por aí.

ana cortou o cabelo, mas deixou o bigode. voltando pra casa de metrô, zombaram do suvaco de ana. cabelos, pelos, merda - ela pensou. anna se esfregou nas costas da mulher maldosa, esfregava suas pragas de silêncio contra seu corpo que espera o macha alfa. ana a nocauteou com o olhar surpreso de busca. achou a si.

mandavam ana tomar no cu e ir se fuder. feliz feito pinto no lixo, ana me levou pra andar de bicicleta. ela e o hyldon. ana xinga no trânsito "ó a faixa de pedestre, querido".  - mal se recupera do "vai se fuder, vadia", vem o pedestre defendido ofendendo "ô delícia".

anna é vermelha. gosta de lua e quebra os dedos. ana sai pra passear na feira dos sonhos e vira joão. joanna. juana me pega pela mão, me solta no meio do mar bravio. tenho ressaca de paixão, ana.

ana foi embora e me deixou contemplando a cor da sombra, a textura do suor. ana me deixou rouca. nessa viagem toda de me mostrar os percalços, as calçadas, os buracos, a altura do céu, a espessura do verso, a profundeza do corte, a nudez do poema, a projeção da escrita, a fumaça da pose, a pose da fumaça. nessa maresia toda, anna me vomitou de volta na beira do poço, e eu que não sei me segurar, caí, lá dentro, fundo, no fundo do poço.

olho pro alto vejo os olhos de anna seguindo rumo ao incêndio do memorial.

anna, hoje eu queimei o arroz. ana, hoje eu quase botei fogo nesse apartamento. queimada a vela, ana, queimado o pano, finda a ressaca, ana, por onde começo a catar os cacos?