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sábado, 4 de janeiro de 2014

entreabertos
basta
ver
revés da imagem
corpo mole
braços longos
riso, canto do boca
torço pescoço
exibido colo
me detenho ante o mergulho
é fundo e não tem volta
unhas comidas
vermelho pelos lençóis
bom dia, sol
espio ali, imenso na sua cova
passo adiante
a lembrança
da língua, dentro, entre
amortece
amanhece
me olha
me chama
me abraça
nem me cabe
arranha
mostra os dentes
riso largo
hálito da manhã
me largo
amor de manhã
escrevo outra hora
quem sabe
de manha
amanhã.

deu brecha...


na torcida pela pancada
canela quebrada
vontade de verão
todos os graus pra suportar
pra refrescar, 
enchente, gente.
quem come bola
engole advogado e não se rebaixa
na tela colorida
a coca cola a ideia de que faz bem.
bem bolado e há tempo.
derrete.
no tempo do aqui e agora
cuidado, que a frequência acelerou.
na terra de amarildos
fingir de morto, mata.

naquela mesa


Nunca se abraçavam. Ele via a barra da saia-de-secretaria passando apressada pela casa: papel-higiênico-nariz escorrendo, roupa-de-cama, frango assado, compras do mês, psicólogo. A voz alta nunca gostou de portas trancadas. Pudesse, invadia o banheiro e mesmo na hora mais íntima, na privada, no cheiro, se imisucuiria por cada poro. Cada cômodo da casa, por sua vez, era uma mistura de presença e ausência, plena. Não como o copo, que vazio está cheio de ar. Mas a superficialidade dos movimentos ativos e penetrantes, nutriam no menino uma cadeia de esperanças de paragens mais demoradas. E quieto, um dia, mesmo à contragosto de seus pulmões, ele foi embora. 
Levou na mala o lápis que ela apontava convicta e impaciente sempre que ele gentilmente tímido convidada ao ofício: "mãe, me ajuda com a lição?" - ela não sabia das confissões que tocava no rasgar o grafite desgastado contra a madeira. Alto, levava os pulos dados, incessantes, nas quadras e as braçadas salgadas. Levou dentro uma ressaca de alto mar.
Atravessou o deserto e deixou no seu rastro de água de lágrima. Venceu as fronteiras dos sofás vigiados e amava sob as máquinas de lavar. Escrevia cartas, poemas secretos, cravava os dentes nas coxas, nos decotes.
Ela via pela janela a vida passar, feito a Carolina. E da vizinha Janaína, com seus cabelos de espuma, sabia pouco ou quase nada, exceto das ferrugens a consertar. Os cômodos da casa extensões suas. Suas nervuras. Convicta, abalada, abandonada. Ferrugens na alma - se ela soubesse como Janaína, sua vizinha, é boa nessas feridas.
A barra da saia dela entretanto, não sairia de dentro, também, assim, tão fácil.
Pouco também avança essa escrita que sombreia os laços do real com pitadas blasè. Agora mesmo estavam ali, ao redor da mesma mesa, que o mundo roda... rememoravam no idioma natal - ventre, olhar, suor e partigiano - viagens que nunca fizeram, com roteiro de filme que nunca vi. Nas frestas das portas, dá pra espiar um amor cansado, mas vívido. De tropeços, com mancadas, muletas, aparelhos sonoros, controles, ventiladores, trancas nas portas, as lágrimas que rolam são afeto re-contido. Ele, meio bobo, com palavras nas mãos, ainda espera o abraço. Sem sombra, nem pavor, um milagre bate na porta: descem juntos pelo elevador e de fronte à porta de vidro, ele, não mais menino, e ela, não mais de saia, se tocam, se aninham e caminham com dedos entrelaçados pela orla da praia.







Cape Cod Morning - Edward Hopper

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

santos

"e ela que não falava uma só palavra em português, fazia pexinxa na feira"

esse é o trecho de uma carta italiana que nunca se viu. aquele Negro sentado ali na sala a reconta, feito um griô, de braços dados com as gargalhadas que ecoam por gerações, desde o norte da África, atravessando os litorais europeus, desembestando nas paragens entre ilhas vera cruz. Muitos de nós se hospedaram aqui.

Aqui, do lado de lá, tem porto. Embarcações carregam saudades, mercadorias, esperas. Ao bel prazer de quem fotografa com as lentes da memória, calha a melancolia ou a beleza, - há de haver tempo em que elas não vão andar tão juntas, ou quiçá, não sejam as melhores companhias uma da outra...

O riso do Negro é entrecortado pelo do Japonês que revisita a terra pisada. Eles rememoram a si mesmos enquanto contam causos. Um das ruas que não têm travessas, do ar que é condicionado, dos presságios de uma leoa com saudades que, em anos, descumpriu a regra e se arrependeu. Das estrelas se promete não mais falar pra decifrar os comos e quandos de si e dos outros.

O vento sopra e desenha a água no céu.

Jardim de areia, oferenda, mar de gente. Pipocam entre corruptos e bolachas, rosas brancas, vez ou outra vermelhas ou amarelas. Entre os passos que só procuram o caminhar, todo um povo de riso, de ancas largas, de pouca roupa, de cabelos pintados em ovo, em sal, em suor. - pula três ondas, faz sinal da cruz com a ponta do dedo de sal. Obstinadamente pequenos constroem seus castelos de areia. As nuvens passageiras no ar desenham o pôr do sol. Os dois amigos compõe: roxo e amarelo.

As vidraças dos prédios tortos se despedem do sol. As ondas largas em laranja iluminam ainda lá no alto a ponta do algodão doce gigante.

Os semblantes cheios de fé levam botões e garrafas, olhar de entrega, súplica ou puro encantamento.



O mar.

Azul de sua tarde - Martha Barros




Andrógeno abraça e acolhe os pedidos, leva e lava o que tem que limpar.
Em movimento, os cabelos de espuma acariciam os pés.

 abensonha, amadrinha, amansa, enlaça.
os amantes se entregam à vontade de estar e superar. se beijam, se olham. se molham. se lançam.

tem branco ao redor. tem batuque. tem luz. tem conta. contagem. regredir jamais.

o olhar mira o horizonte entre ilhas, palmeiras que não se vê, trilhas que não existem:

"é bonito esse lugar."


em instantes, tudo já era de novo o que era e o que pode ser, assim, ao mesmo tempo.

Na cozinha, a barra da saia da baixinha, que se assusta com o levado que, como em todo domingo, a assusta. Não era mar. Mas também tinha nome de Santo. Na cozinha, quente do forno, a promessa de quentura no coração.

 - do alto ela se ri toda, não mais pequena, mas imensa e espalhada por todos os poros das lembranças dos seus.


quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

re-ver e brisar '13

doismil-etreze foi/está sendo um ano confuso, com-fusão, que nem o amor do Baffô. de início de parto difícil, de defesa-show, de viver morte-dor-luto-metamorfoses de ex-enlaces, de dar passos largos com os pés do rebento. de ir viver na selva cinza. pedra. metrôs. com casa, com várias, sem casa por mais de uma vez. decepções. muitos sapos engolidos. muitos. quase muitas coisas. inclusive um que era pra ser quase, virou total e agora, na reta final, na hora do balanço do ano, pede tempo, respira, tropica, se confunde, se perde. - caminha.
dois-milÊtreze. lecionar, colecionar textos internos pra parir no mundo. ressuscitar aos poucos o sonho, a vontade e a utopia da escrita engavetada em algum semestre da faculdade, num ano que não era treze, eram seis. estudantes. aprendizes. aprender a ensinar. necessidade que urge de voltar a aprender. este foi o ano em que eu mais assisti à vida e me entretive com as pequenesas das coisas do cotidiano, uma dessas tiazonas de cidade do interior que vivem ali, gastando horas, na janela penduradas, só arreparando nas cores, nas coisas e nas contas das gentes. minha janela é virtual - nem por isso menos futriqueira e esvaziante. 
tá certo. tá certo. não é assim também. dois mil e treze. quase sem reza em templo. as pedras e ruínas do templo de dentro. casos de acasos mais ou menos marcados e muitas cartas de tarô.
trio. amigos. o morto mais vivo dos últimos anos fazendo cem anos. minha companhia. dele eu falei e cantei tanto. - e ai, como é estranha a sensação de ainda assim não ter falado tanto, quanto e como eu sinto pulsar dentro.
esse ano eu saí da academia. não queria tirar ela de mim, mas precisava. a gente mal se dá conta de como essas coisas viram a gente, prendem, dão suporte e são muletas das quais precisamos nos separar, mas que nos momentos de fraqueza sentimos muita saudade.

lá dentro por tantos anos e agora, aqui fora. me disseram muito do lado de cá. e quantas tardes, manhãs, madrugadas e noites não gastamos cuidando do mundo, sem descuido no plano das ideias, utopias, vontades e análises, interpretações e diagnósticos. de um lugar confortável, inebri-apaixo-nante, edificávamos vontades. quantos plurais. é que vejo por aí meus amigos. os que vejo e os que imagino. e sinto que cada um tem sem tempo de firmar os pés e se achar no mundo depois que saiu de lá. 


treze. Dois MIL!! pois[é. ano de extremos. do parto de uma dissertação tão grande que conta-se nos dedos da mão direita - graças ao Max, agora também já na da mão esquerda, quem a leu inteira, à sensação de atrofiamento da curiosidade e disciplina estudantil-pesquisadora. citações, borrões, teses, artigos. eu me embreaguei de poesia e brisei.
criei um blog. o ponta-pé foi uma crônica que nunca repostei aqui, parida pós show do Paul. as brisas da isa. 
visto um filme e um texto dentro da cabeça. aquela canção. aquela treta. aquela viagem. blog criado com a promessa de não ser túmulo das minhas ideias. e eis eu aqui: abri essa página em branco pra tentar me redimir escrevendo sobre biografias autorizadas ou não e dois filmes sobre Legião e até agora não saí do "meu querido diário - versão retrospectiva".

que será que o facebook teria marcado de retrospectiva? eu hesitei, evitei e não cliquei no link. eu saí do livro da cara algumas vezes esse ano. uma até registrada aqui. minha janela de tiazona me arrumou trabalhos, me conectou a pessoas incríveis e estreitou laços. mas potencializou minha mania besta de falação, observação e exagero na importância do olhar do outro para/sobre mim. 

os brilhos do palco. esse ano eu me rendi à música - e sinto que ela esperava mais de mim. de todo modo, como deu, estudei canto e conheci um ser de luz divertido, engraçado e rouxinol- que me mostrou que é só não temer. ririri que gosta de inverter o nome, sem perder o orgulho de ser maria, foi curandeira, amiga, irmã, mestre, bruxa, terapeuta e nem deve ter tanta dimensão assim.

não é à toa que chamam de SOPRO de vida. o ar, último dos elementos que nos fez gente. pós a terra e a água, misturadas no barro que se moldou e se firmou no calor do fogo, os movimentos e as palavras foram criados e guiados pelo ar. sopro. respirar, me mover, encarar minha hesitação em fazê-lo, observar a sensação ao me preparar para o canto foi qualquer coisa de maravilhoso. e tão óbvio e evidente.

mas o palco é sobrecarga de emoções e responsabilidades pra quem o vê assim. além de todos os além que me fogem agora que me repreendi em pleno desencontro entre pensamento e dedos que digitam.

me publicaram em 2013. um amigo que nunca vi até chorou por saber que é alguém por quem tenho respeito. meus amigos viraram e virarão livros. eu fiquei rabiscando palavras e apertando enter = chamaram de poema.

em dois mil e-tese eu fui júri, oficineira, educadora. fui e estou desempregada. freelancer. classe média, ah, bê, cê dê-ocarai. with a little help from my parents.

em 13 dos mais mil-dois, eu não entendi; eu tive medo. eu escolhi nome pra filhos. eu falei como há muito não falava de mim. narcisa. insegura. eu criei mundos meus. eu saí pra tomar chuva. pra dançar. eu arrisquei. eu errei. eu menti. "pra si mesmo é sempre a pior mentira".

eu juntei laços. eu não tinha dimensão da potência do que posso ser diante do que escolhi caminhar. 
dois ou mil ou treze, rés, real, viés.

sarau, homenagem, show, teatro, barroso, moraes, ogãs, arrastão. descobri a força do poder do 7. parecia um 7 de paus do mitológico. há 7s bem treze.

negatividades criadas. 
desimportâncias criadas.

mas ainda assim. suja de lama. cansada dos tropeços. marca pelos corpos. eu prossigo. 2013 eu apertei a mão de um Negro e disse venha comigo e repito. eu aprendi a dizer "sou cantora". - admito que essa palavra ainda demanda tanto mais cuidado e carinho do que há agora. sem mais nem medo. 

ano que vem cantora rimará com professora.
insegurança vai rimar com enfrentamento e altivez.
humildade. verdade. 

2014 eu queria ver mesmo esse blog cumprir sua missão: não quer ser túmulo das minhas ideias. quero brincar com os lápis aquarela da vida, jogar água pra espalhar, fazer novos contornos, croquis do sonho  e dos planos.

reafirmo minha paixão e vontade pelo Projeto e grito.

sinto sono. 
perdi o fim da meada.


brisei.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

pedaço de sol na lua de natal

Mais tarde, era a Lelê ainda quem estava toda acordada penteando o cabelo da boneca que a irmã ganhou, toda cuidadosa enquanto nos ouvia falando a torto e a direito. Flagrei o olhar hipnotizado: 
"Você gosta de fogo, Lelê?" 
- enquanto se movimentava muito a chama da vela imensa que já assistiu a tantos Natais.  

"Não." 

"Mas você não acha bonito? Olha só? Ele brilha! Mas não dá pra pegar? Ele é quente... tem que tomar cuidado, mas o fogo é tão legal".

"É um pedaço de sol"
E os olhinhos e as mãos repetiam o gesto 

"Sobe Sol, Desce Sol, Sobe Sol, Desce Sol" 

 - e eu besta de ver e ouvir um Manoel de Barros ali em ato - a verdadeira poesia está na vida de fato.


"Sobe Lua, Desce Lua"
 
Sabia que existe uma Lua dentro de você? - é?
É. Ela tá atrás do seu umbigo.
Dentro de toda menininha tem uma Lua. No Tio Lulu não tem Lua porque ele é menino. Mas na sua mãe, em mim, na Tia Mari, na Renatinha, na Juju...
Só que a sua Lua ainda é filhotinha. Quando você crescer você vai ver que a sua Lua se mexe lá dentro... É. A da mamãe, a da Tia Lulu já é grande se mexe. A da Tia Bel é grandona e já não mexe mais.
Mas toda menina tem uma lua no umbigo.



 



Toda menina
lua
tem.








oração de natal
[

Quero saber do meu pedaço de Sol, percebê-lo como percebo minha lua. e fazer com que ele me aqueça na escuridão e me guie nas aventuras do seguir sonhos e equilibrar o otimismo da vontade.



]

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

teu fogo, anna.

Ana me chamou pra ir ver o que tinha do outro lado do escuro, além da sombra. Ana não tinha medo de quase nada. como quem pega o cigarro e sai do bar pra alguns tragos, Ana sumia no mundo. Ana me fez o convite, já sabendo que eu não daria conta e duvidou de mim da primeira vez que me viu. ainda assim ali, lá. nós. os olhos esbugalhados. Ana só tinha medo de ser desvendada. de resto, gastava horas construindo linhas, edificando palavras e traduzindo rostos pintados.
ana sumiu.

anna me cortou. assim. inteira. o som da voz de anna me invadia e devagar eu já ia virando anna. mas anna se dava como quem se preserva. rodeada de ninguém, anna se deu em folhas e eu fui distribuindo annas.

não tinha compasso certo. a gente dançava no ziguezaguear da calçada. pulando na descida da rua nova, de frente pro templo daquilo que vale, eu me entregava numa pirueta e virava estrela. ana desconsertada, sorria com o canto no lábio, me olhava debaixo pra cima.

hoje rezei pra ana. abri-lhe as pernas, beijei-lhe o sexo. quis que ela se achasse em si. as cartas sobre o pano rosa. a vela sem castiçal. [anna me cria desimportâncias]. passo as tardes bobas e adolescente pensando nas bobagens de ana, na liberdade de anna, na ousadia dos seios livres debaixo da camiseta. os cabelos crespos. os cabelos vermelhos de anna. trovoa.

um gole de cachaça em plena lapa. ana me fotografou no flagra. não tinha unhas coloridas, mas reclamava. ana se entristeceu com o cigarro que a grávida fumaça. dei um pouco de anna por ali. rasguei nossas páginas e pintei os lábios. tatuei os poemas. nos espalhamos por aí.

ana cortou o cabelo, mas deixou o bigode. voltando pra casa de metrô, zombaram do suvaco de ana. cabelos, pelos, merda - ela pensou. anna se esfregou nas costas da mulher maldosa, esfregava suas pragas de silêncio contra seu corpo que espera o macha alfa. ana a nocauteou com o olhar surpreso de busca. achou a si.

mandavam ana tomar no cu e ir se fuder. feliz feito pinto no lixo, ana me levou pra andar de bicicleta. ela e o hyldon. ana xinga no trânsito "ó a faixa de pedestre, querido".  - mal se recupera do "vai se fuder, vadia", vem o pedestre defendido ofendendo "ô delícia".

anna é vermelha. gosta de lua e quebra os dedos. ana sai pra passear na feira dos sonhos e vira joão. joanna. juana me pega pela mão, me solta no meio do mar bravio. tenho ressaca de paixão, ana.

ana foi embora e me deixou contemplando a cor da sombra, a textura do suor. ana me deixou rouca. nessa viagem toda de me mostrar os percalços, as calçadas, os buracos, a altura do céu, a espessura do verso, a profundeza do corte, a nudez do poema, a projeção da escrita, a fumaça da pose, a pose da fumaça. nessa maresia toda, anna me vomitou de volta na beira do poço, e eu que não sei me segurar, caí, lá dentro, fundo, no fundo do poço.

olho pro alto vejo os olhos de anna seguindo rumo ao incêndio do memorial.

anna, hoje eu queimei o arroz. ana, hoje eu quase botei fogo nesse apartamento. queimada a vela, ana, queimado o pano, finda a ressaca, ana, por onde começo a catar os cacos?