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sexta-feira, 17 de maio de 2013

a morte virtual (ou estou online pro que der e vier)

Um belo dia de trabalho: uma manhã iluminada. As duas pequenas turmas de dançarinos com quem tenho refletido e conversado sobre linguagem são qualquer coisa de incríveis e já me tomaram por inteiro de corpo e alma em apenas três encontros.
A verdade é que pralém do encanto próprio da função de educadora - pelo qual estou completamente fascinada - cada um daqueles aprendizes é um sopro de vida. Queria poder abraçá-los, um a um. Quando ganho um abraço espontâneo, o coração se abre. 
É. Tenho dado poucos abraços aqui em São Paulo. Posso facilmente culpar a cidade - e faço isso muito bem: o trânsito e a lonjura das coisas são um álibi muito bom. Em Araraquara era sair de casa a esmo, numa batida de perna descompromissada para trombar com alguém. Se numa casa os amigos não estavam, era andar mais um ou dois quarteirões e ali, sem marcar hora nem nada, lá estava um rosto conhecido e abraços abertos pro aconchego de um abraço.
Vivi dias aqui de completa solidão dentro desse apartamento onde eu modelo meus dias. Solidão essa que me levou a uma crise de rins absurda, tamanho era o medo e angústia pelo novo recomeçar. Um parto doloroso de uma vida nova que promete muito crescimento. 
Mas de certo que muitos dos amigos que podem vir a estar lendo essas linhas desconhecem essa angústia, afinal de contas, eu estava ali, online, todos os dias. 

Religiosamente meu rosto aparecia no feed de notícias. Ora eu contava um causo, reclamava de alguma coisa, compartilhava, curtia, comentava. Postava fotos, frases. Indiscretamente revelava a vida. Convidava a todos pra me ouvir cantar, estabelecia contatos. O feicibuqui no celular praticamente substituia o sms. 
Pois bem. Dia de trabalho excelente, lembrança de gente de verdade nos poros, eis que me sento diante do mundo. Abro suas janelas, suas cores azuis, os rostos bonitos que transitavam naquela tarde.
Vi de relance ali no cantinho direito, onde as fofocas são contínuas e discretas que meu amigo estava prestes a participar do Golpe Comunista 2014 no Brasil. Amigo querido que é, fui espiar do que se tratava e vi toda uma festa armada e montada. Diante de mim então apareceu o vídeo-piada da vez. A junção de coisas non-sense era tanto que parecia uma costura feita especialmente para me tirar do sério: praça de alimentação de shopping, juventude PSDB e uma mina nada a ver fazendo ecoar um discursinho que virou moda no face de que o PT é Comunista!!!?! - Me expliquem de novo o que é comunismo. Pra mim ele tá bem mais próximo daquilo que cantam Elis e Bituca em O que foi feito devera do que em qualquer migalha de vermelhidão da estrela petista.

Mas não pára por aí. No dia em questão, uma quarta-feira, dia 15 de maio de 2013, coisa de uma semana antes do aniversário de 06 anos da greve de 2007, de leve 10 CAMPI da UNESP estavam paralisados, sendo 03 deles em greve. As demanadas? Além de um grito desesperado e recorrente sobre a melhoria das condições permanência dos estudantes (moradia, restaurante universitário), a rejeição ao PIMESP (recomendo fortemente a reflexão dos queridos Frederico Firmiano e Adriana Novais a respeito do caráter problemático dessa medida que pretende suprir/substitui/esgotar a questão das COTAS nas universidades paulistas - umas das únicas públicas no país que ainda não aderiram ao sistema).
Em 2007, os estudantes de Araraquara que encontraram o CHOQUE na calada da madrugada faziam coro com milhares de estudantes do Estado de São Paulo contra os decretos do Serra que feriam a autonomia universitária. Mas a única coisa que era dita a respeito até mesmo dentro do movimento que culminou na greve, que levou a ocupação da diretoria era que a sindicância que alguns estudantes sofriam em decorrência de um ato/festa que envolveu mais de cem alunos, no qual caixas eletrônicos foram pintados.
A história em 2013 se repete. A imprensa reduz a mobilização de Araraquara ao protesto de estudantes expulsos por terem feito uma orgia na moradia  - isso mesmo, leiam de novo, MORADIA. É. Por terem feito sexo como bem entendem e desejam, dentro de quatro paredes, 6 estudantes foram expulsos. Evidentemente, o caso explicita muitos problemas em relação a legislação da moradia, a forma como ela organiza e a total falta de liberdade dos estudantes que dependem dos auxílios para se manterem na universidade. Ah! Você é moralista demais pra suportar a ideia de várias pessoas fazendo sexo num cômodo da sua casa... mas então vamos lá, já houve sindicância para moradores pelo simples fato deles beberem cerveja onde moram, fazerem uma festa de aniversário! Eu pergunto, se você não pode fazer isso onde você mora, vai fazer onde?  - É uma questão de classe: playboy pode, oras.
Mas não. Ainda que esta fosse uma questão que merecesse um amplo espaço pra debate, o que fez 10 campi da unesp parar, foi a truculência, o racismo e o desrepeito do PIMESP. Mas a Folha de São Paulo orientava seus leitores o ponto de vista do democrático diretor da FCL que fechou o RU durante o período de ocupação. 

Eu precisava trabalhar. Construir um relatório, organizar arquivos, pastas, textos, artigos. Escrever um projeto. Fazer um relatório de atividades. Mas de repente até mesmo a Gal Costa cantando Bancarrota Blues me irritava. Ela irritada com o vento e fazendo piadas sem graça.

Tava decidido. Não sabe brincar, desce do play. 
Se eu não tinha controle emocional para digerir o mundo subindo em feeds pelo feeeeicii, melhor desativar a conta, respirar e acenar.
Pronto. E aí o face pergunta: "por que você vai embora? vão sentir saudades de vc!" - eu respondo "não se preocupe face: é temporário. Eu voltarei."

 E pronto. Conta desativada. Tempo indeterminado.

 - sessão de choro, grito, desabafo, dor física - e a raiva de mim mesma por me deixar afetar e não "cuidar de mim"

"Mas Isa, como você quer ser artista sem facebook?"

E de fato, era isso mesmo. Eu sabia que teria que voltar e que o charminho pro mundo tinha que acabar. Trata-se talvez de não dar tanta importância, ou administrar tudo isso melhor, or what-fuckin-ever.

Acordei ainda meio besta com o mundo pós sonhos vívidos e trabalhosos, mas hoje foi dia de saber que serei tia e não há tristeza do mundo que seja maior que essa alegria, esse choro gostoso, esse sorriso nos lábios. Pós chamego, eu volto pro facebook, menos de 24 horas depois.
Me alegro com os meus e compartilho o evento: afinal de contas, quinta-feira é dia de cantar. e tava lá eu contando pro povo.

Cheguei ao bar hoje e a cara era de espanto. E foi consensual: os donos do bar, o colega pianista, o amigo músico que intermedeia a agenda musical do lugar: TODOS perplexos e preocupados:

"o que aconteceu com você? o que aconteceu com o seu facebook que eu não conseguia falar contigo?"



"você mudou a sua foto. não consegui te achar. achei que a gente não era mais amigo..."

"eu fiquei preocupado: achei que você não fosse vir cantar hoje!"

"eu achei que tinha feito alguma coisa que você não tinha gostado de alguma coisa que eu fiz e não queria mais tocar comigo"

"nossa véi, tentei falar com você e nada".


Eu quase definhei biologicamente há quase um mês atrás e nada chegou perto do espanto dos quatro do que  o meu pequeno suicídio virtual. 
Oquei, óquei: o motivo era trabalho. Tudo bem. Mas foi definitivamente engraçado e chocante perceber como a minha vida e a minha conta no facebook podem estar atreladas a tal ponto.

Eu os acalmava: "tá tudo bem, eu já estou de volta"

Eu havia cometido uma falta grave. 

Pode até soar exagero da parte deles. Mas existe uma posição da Cruz Celta no Tarô, a número 8 por sinal, que diz sobre o modo como as pessoas, o ambiente de modo geral, estão recebendo, entendendo o seu processo e muitas vezes você pode não concordar. E eu sempre reflito com essa posição: se a alguém pensa de determinada forma sobre mim, isso está vinculado à minha ação. Há algo no que faço e sou que traduz isso, e faz com o que o outro me perceba dessa forma.

Eu de fato me mantenho saudável às vistas da ágora virtual. Escolho as fotos conforme a efeméride e o humor. E tenho dito pros meus amigos muito mais "estou online pro que der e vier" do que "estou aqui pro que der e vier".





é preciso mudar isso. radicalmente.
e eu vou. e quero.

mas como alguém que sempre gosta de me lembrar das coisas diz: "você é signo fixo, Isabela." 



É preciso vencer os limites daquilo que se é. É por essas e outras que a gente encarna e reecarna, cada hora de um jeito.

De volta ao facebook. 



Estou regressando aos poucos ao convívio dos de carne e osso, cheek-to-cheek.

Mas sem precisar me matar virtualmente, até porque, apesar de não parecer,  eu, definitivamente, não penso que sejam dois mundos apartados.

basta dar o salto da fúria para o amor,  da cegueira colérica para o discernimento que se desdobra em ação consciente. como diria meu companheiro: "da rede à rua".



Em tempo, como me complemento no ponto de vista do outro sobre mim, aqui vai, o que ele, meu companheiro diagnosticou minutos depois de ter com meu desespero:

"Hoje alguém que amo adoeceu. Não teve um surto psicótico, nem um ataque epilético. Mas adoeceu. Adoentou-se de tristeza pelo autoritarismo político da direção da UNESP. Aparvalhou-se de cansaço com o discurso ideológico da juventude (sic!) do PSDB. Ferveu náuseas com as novi-declarações linguísticas de Lobão (e, como estudiosa de cultura e politica dos anos 60, notou ressonâncias/reverberações para com a crônica jornalística pré-golpe). Sofreu física e psiquicamente uma trans/form/ação que dividirá águas. Kafkaneando-se comunísticamente o que há de bom... e sofrendo dores de parto do novo por-vir. O feed-retroalimentação bombardeou mais negação à vida que o contrário na teia antissocial. Da rede à rua."

E da rede à rua, me convidava a ler o menino Ruy Braga: O twitter e as ruas.