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segunda-feira, 29 de julho de 2013

meu Chico de pé grande

Francisco. me disseram que de Assis. Conheço uma Assis, por conta de um amor desses da vida inteira que pra lá se foi pra se achar em si e se perder de mim. À época que a gente era uma tentativa de um, eu redescobria depois de longa temporada cética minha espiritualidade, costurada em crença ecumênica que mesclava estudos religiosos das "cinco grandes religiões". Numa mesma noite de estudos poderíamos citar Lao Tsè, Jesus Cristo ou Confúcio. Falava-se de virtude, de tesouros e de Caminho.
Aos poucos o coração acalmava. Havia me reconciliado com Jesus Cristinho tinha algum tempo - de frente pra uma fogueira em ritual xamânico. Sentia o cheiro da figueira naquela noite. A figueira e a fogueira. Uma era uma lembrança sensorial que me levava ao passado arquetípico, aninhado no mais profundo de mim. A outra me guiava pelo infinito. E eu vibrava "você precisa é falar de amor", oras. simples assim. e sorria. Compreendia que a potência do fogo tinha a ver com o seu abraço intenso na madeira. E suas chamas multicoloridas... quem nos ensinou a ver tudo assim com contornos tão nítidos?
Mais tarde um Coração em forma de gente me guiava para me aprofundar ainda mais nos ensinamentos espíritas. Eu que creditava a minha desconfiança à doutrina organizada em texto por Kardec pelo álibi de "eles são muito positivistas", revia diante de mim aquelas palavras sobre os dons mediúnicos e me abria, de novo, para outras facetas de mim. Mais uma vez o palco não era um templo organizado, instituído de longa data. Era uma garagem. Poucas pessoas. Livros impressos. Foi diante de livros, por sinal, ali, empilhados na mesa, que senti o corpo ser habitado. ser cavalo. a mão que gira em torno do corpo, que dá a volta ao mundo e que se chacoalha com o barulho do metal: "o senhor que ir até a porta de casa?" Ogum. - entendi o gosto pela estrada e a dificuldade da parada. Entendi o gosto pela construção dos meus mais próximos: mãe, pai e avó. Ai esse axé... não deixo de cantar ao acender o incenso e rodeá-lo pela casa a canção que eu aprendi na casa de Umbanda que tão bem me acolheu nos últimos anos de Araraquara: "tô incensando, tô perfumando, a casa do bom Jesus da Lapa..."
Confesso que a solidão paulistana me distancia de mim mesma. As promessas de meditar, de ir a algum dos abrigos que a minha alma sentiu-se a vontade... o álibi parece tempo, parece perdição. Mas trouxe pra pauliceia um Francisco. Eu queria um Chico. Um outro ex parceiro de vida sempre me lembrava do Chico pé no chão. Da biblioteca que ele erguera num educandário abençoado pelo menino de Assis. Arranjei num é que foi um Chico mesmo de pé grande e no chão? Meu companheiro olha pra ele e diz: "e Francisco de Assis lá era gordo?". Não. Não era. Mas essa imagem de Chico é do tamanho que ele tem pra mim. Sua cortesia imensa. Sua pança de abundância de amor. Como aquele buda sorridente e gordo que eu vira outrora na casa dos amigos orientais. 
Ele ali com seus pássaros. Seus olhos encolhidinhos como quem medita. Fica ali do lado da arruda pra queimar e do meu Santo Antônio de pano.
É, nasci e cresci criada católica. O apostólica romana a gente vai entender só mais tarde, não nas homilias do padre, mas nas aulas de história. E aí junta a sociologia, a antropologia, a ciência política e você já não suporta mais se ver respeitando uma estrutura hierárquica que remonta uma Roma decaída que primeiro mata o rebelde Cristo com seus dons mediúnicos todos abertos, de pulso forte, voz firme, cabeludo, barbudo e questionador da ordem das coisas para se apropriar do seu legado erigindo uma verdade que escraviza, cega. Mas não era assim que se processava em mim na adolescência. Foi de fato um acontecimento a primeira vez que comunguei, comia Cristo. No silêncio que imperava na hora de rezar no fim do dia ao travesseiro, eu conversava era com Nossa Senhora, que pensava que ela era mulher e ela sim devia de saber das coisa que se passavam em mim que nem eu mesma podia palavrar ali mesmo quieta na frente de Deus. Participei de encontro de Adolescentes com Cristo. No encontro dos Casais, envergonhei meus pais ao pedir a palavra, ainda miúda, pra dizer que "criança tem problema de criança" exigindo que nos tratassem como gente. - sim, desde pequena o sanguinho da fé se misturava com que mamãe chamava de "sanguinho Che Guevara".
Quando pisei na Unesp Araraquara pela primeira vez, minha mãe temia era pelo sanguinho Che Guevara. De fato o sanguinho da fé ficaria bem abalado com a vermelhitude que adentraria meus poros não apenas nas leituras teóricas, mas sobretudo nos movimentos do real. "não fica vindo muito nesse lugar" dizia ela ao olhar as paredes pichadas do vão dos Centro Acadêmicos.
Das muitas coisas que li - e nem são tantas assim, na verdade - nesses últimos anos, gostei da passagem que dizia que os problemas da matéria devem ser resolvidos na matéria: não á toa estamos aqui, encarnados, viventes. Aliás, um "teórico" que gosto muito - que foi preso na Rússia pós revolucionária por participar de reuniões religiosas - ele dizia sempre que a gente tem que se encarnar na vida, assumir nosso lugar único no tempo e no espaço. 
Vou me equilibrando aqui nessa coisa maluca que é crer  - desde os cantos da cabloca jurema, na força dos astros, na equanimidade dos budas, na força do pensamento, na costura divina, nos sonhos, nas cartas do tarô e tudo que elas trazem à tona ao meu inconsciente, nos orixás, guias, espíritos, ciganos, em Deus no céu e o Ventre da Mãe Terra. Sim. A matéria da mãe, berço. Dos filhos que sangram. No suor, na labuta. Na crença de que somos emanados por um princípio de Amor e Inteligência e que podemos e devemos criar um mundo aqui na matéria mais justo e humano. 
Me faltam muitas respostas, me sobram perguntas. 
Quero quebrar tudo. às vezes penso em não tocar em nada. 
Mudar o padrão de pensamento. Tocar o outro com o canto. Não sei.
Sei que não ia ficar feliz se quebrassem meu Chico - não gosto desse caminho, mas se for o caminho que for... Francisco. Gozado. 
Eu que nem sei quem vai me abençoar em enlace, sorri pro meu companheiro quando a gente num desses momentos mágicos concordou que "Francisco" é um bom nome pra menino. Ele, meu parceiro de luta. Da vermelhitude e de todas as cores desse arco-íris de existir. 

Ps.: não em esqueço nunca da vez que o pastor me chamou ao púlpito . me dera "oportunidade". Eu sou mesmo folgada. Na primeira eu gaguejei e agradeci por estar ali, sendo bem acolhida, naquela garagem que vira lugar sagrado a cada vez que as pessoas a fazem assim. Na segunda eu pedi licença para oferecer o que de mais sincero e melhor eu tinha e poderia ofertar: cantei. Minha então sogra mangou de mim dias e dias. (deve mangar até hoje).


 Faz de mim  instrumento de  paz.

Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, Faz com  que eu procure mais
Consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois, é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna.

Para Caio.