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segunda-feira, 22 de julho de 2013

resposta ao tempo.

Quando eu era pequena a Xuxa me contava que São Paulo era a terra da garoa. Não sabia o que era garoa, mas eu cantava aquilo com uma verdade... garoa rimava com gente boa "que gosta-de-trabalhar". Eu tenho mania de ficar colando os acontecimentos da vida, numa teia de sentidos nos quais cada passo do hoje é de fato um fruto de algo que o ontem plantou - consciente ou inconscientemente. No segundo caso, essas costuras feitas por tecelãs da roda da fortuna, ou simplesmente, pra os que creem assim, o dedo do acaso,  as escritas tortas de Deus.
A primeira grande piada pronta é que com o passar dos anos o verso "terra-da-garoa" virou a afirmação enfática: "eu nunca vou morar em são paulo!". Afirmação tão enfática quanto "não vou viver de música". Em março de 2013 - já que o mundo não acabou - cá estou em São Paulo pra cantar.
Mas parece que a vida costura e nos prepara sem que a gente saiba. Lembro de quando eu andei pela primeira vez ao lado do muro que cerca os trilhos da estação Barra Funda. Eu triste e cinzenta por dentro como sampã me figurava. Um amigo querido, de distâncias e acasos, me vinha fazer companhia numa chá de cadeira rodoviário. "Vamos nos ver! Preciso ir até a Barra Funda, me encontre lá!". O palmeirense me mostrava sem querer, indo comprar o ingresso para o clássico do domingo, a trilha que eu passaria a fazer cotidianamente anos mais tarde. Não há um só dia em que eu não lembre do sorriso dele/Deni e das nossas caminhadas ali.

Minha história com o metrô Sumaré é mais recente.

Ano passado eu e conheci Danilo Gusmão, finalmente. E no espaço de uma viagem de ônibus já éramos grandes amigos de vidas. Uma das muitas coisas em comum, além do amor da Caroline, era o frisson que a música independente paulistana causava nos nossos ouvidos. Fomos confabulando sobre o bate-papo de Romulo Fróes e Walter Garcia sobre o tal "fim da canção". Em Minas, a gente tocava na mesa de jantar "A música da mulher morta", do Passo Torto - e eu tinha achado outro doido como eu.
Danilo Gusmão é parideiro de canções e as canta com o Castanho Raso. E o Castanho Raso ia tocar finalmente em palco paulistano: "Isa, canta com a gente?". Dan queria que eu cantasse "Conexão" composição dele. A essa altura, convite aceito, eu estava na Pauliceia pra assistir na famosa Casa de Francisca, que invadia meu feed araraquarense de notícias, o show do Passo Torto, sim, em São Paulo, eu estava, de novo. Ganhei um abraço do Rômulo Fróes naquela noite antes do show. De cantadeira oculta de "No chão, no chão", ele me reconhecia de posts e fotos facebuquianas, eu, seguidora de cliques desses personagens do cancioneiro paulistano. Pós Passo Torto, lá estávamos na casa da Ju - casa que me receberia pelo meu primeiro mês paulistano, meses depois. Leo, Dan e eu fazendo o arranjo vocal pra Conexão. Noutra vinda Leo já tinha soltado "você precisa conhecer um trio de amigos meus... acho que é o som que você tá precisando fazer..."


Semana do show. Lá vou eu, de novo, mais uma vez em tão pouco tempo pra São Paulo. Dan marcou ensaio. "É perto do metrô, Isa". A gente desce então na linha verde as 8 da manhã com teclado, amplificador, prato e caixa de bateria e gente. muita gente. Na saída do trem tinha vidro e rosto de gente com letrinhas na cara. Nas escadarias que nos levavam a rua, eu via a cidade ao longe, o viaduto, a avenida movimentada e aquilo era poesia concreta demais pra não ser fotografada. Caminhamos dali pro estúdio.

"Isa, e se você fizesse a capella "Olhos da Cara" do Romulo?" - completava o convite, Danilo.
A voz de Dona Inah ecoava na minha cabeça. Rouca. Imponente. Exata. Emocionada.

Dois dias depois, o tal trio que o Leo havia falado "vocês têm um nome?" - "Ogã". Trio Ogã. "Mas o que que tá acontecendo?" - Paulinho queria saber. Aliás, Paulo, Felipe e Gian. Esses três nomes juntos já tinha dado rock por outras bandas. e bom rock.
Cantei. Me impolguei. Fiquei feliz. Me caguei de medo e pensei: "mas São Paulo é tão grande, é tanto concreto..."

Eu vim.
Meses depois, eu tô aqui. Pra ir ensaiar com o Trio Ogã, eu vou até o metrô Sumaré. de lá, Paraíso. Hoje voltamos do ensaio, eu e Felipinho. anjo da guarda. Essa rede bonita de gente que se conecta nessa costura doida do "acaso".

No meio do caminho ele me convida pro tal chorinho que rola de segunda-feira do lado da sua casa. já tinha ouvido falar já. Descemos então na nossa já conhecida e cheia de suor linha Sumaré. Passo em frente ao bar quase todo dia de ônibus. É vibe boa. Sempre tem gente interessante, pra quem vê da janelinha.

Um pastel. Prosa. Suco de Laranja. Cansaço. Outro pastel. Suco de laranja e uma hora esse choro começa.
O povo chorão começa a chegar e logo o Felipinho solta: "você precisa ver a dona Inah! Ela sempre vem aqui! Nossa! Ali ela! Acabou de chegar!"

Sim. A voz que ecoou e me ensinou a cantar a primeira música que eu fiz aqui nessa cidade, num fim de semana que mudou tudo e me trouxe pra cá entrava em corpo alma e simpatia pelo bar e parava diante da mesa que eu estava: Dona Inah!
"Essa é a Isa. Ela é cantora"
"Ah é? Que bom. Tem que fazer o que gosta. Vai em frente!"
Contei pra ela que cantei "Olhos da Cara" que ela tinha gravado com o Rômulo: "ele é doido!", ela disse.

Me segurei com a tietagem. Custo a aprender que é tudo gente como a gente e que é bem mais da hora olhar os olhos na mesma altura, feito truta e não ninguém de cima pra baixo. Sorri. Perguntei um gole da vida dela. E reparei na pequenininha. Mãos pequenas como as minhas. Eu tenho mãos pequenas como as dela. Reparei nos causos. Nos silêncios. "Leva ela lá na quarta!"

depois de mais alguns choros, a gente veio embora.
eu e o felipinho. ele me conta da primeira vez que fez um som com a dona Inah e que ela canta de quarta no ó do borogodó "vamos semana que vem?"
e caminhamos, fazendo planos das músicas que ainda vamos tocar.
e caminhando pompeia abaixo, eu sentia a tal garoa que a Xuxa cantava.
Garoa.
Caminhando em São Paulo.
Ali. "Cantora"
em casa.
com garoa na cara.
garoa e não a chuvinha de molhar bobo mineira. GA-RÔ-A.
aquele molhadinho no vento
um carinho da água no rosto.

garoa.
e sorria de costurar aquela noite numa meia dúzia de passos desses 25 anos de caminhada.