alguma coisa de fato está errada: andando feito barata tonta, procuro dois buraquinhos na parede. pudera ser só eu. na rodoviaria carioca, a tomada é artigo de luxo e cobiçado. As quatro da manhã os corpos oscilam entre os que se encolhem em sono proibido, curvos sobre malas e bolsas ou os que estiados no chão se ligam a outros mundo pelo fio que vai da tomada a um aparelho qualquer.
compro uma água, um desodorante e caminho sem perspectiva de achar uma tomadinha que seja. as bandeiras do Brasil inundam cada misero detalhe do lugar - nao.. é só impressao minha.
tomada encontrada. plug. ao meu lado uma mulher dorme. do outro lado daonde leva o fio,acordo meu irmao: "cheguei".
esqueço a enorme bola de futebol que decora o hall e o mundo vira uma pequena tela. os dedos velozes. mas ainda ouço a respiraçao dos sonolentos e a agonia dos insones. - insisto em viajar sem fones de ouvido. talvez minha antropologia seja praticada na escuta da musica do cotidiano. ouvir?
do outro lado da tela vejo um pouco do que ignorei nesses dias de caos sentimental: tetra no maraca: treta fora dele. greve de patrao anunciada em rede social.. "os fiscais da revolução estão bravos com a seleção" . ai se fosse assim tão simples.
cinco da manha e o barulho ao redor aumenta. os passos acelerados. rodinhas. conversas. o guiche abre. uma mulher de unhas confeitadas se alegra por encontrar uma tomada ao lado da minha desocupada.
que que eu sei?
escrevo linhas inuteis de uma paisagem qualquer enquanto espero a dor passar. o encontro acontecer. lerão essas linhas com a mesma fome que devoraram as outras? uma confissao confusa. um desabafo sem sentido.
ao meu redor está deserto e o barulho sufoca. falta/sobra cheiro nessa rodoviaria. e eu que ate outra madrugada julgava a hipocrisia das pessoas por nao gostarem de dar às coisas seu devido nome, ainda estou desconcertada e sem rumo com a franqueza de meu companheiro. vinte prasseis.
a rodoviaria do rio acordou.
meus demonios vao devagar terminando a despedida. acordaram numa sexta e foram exorcizados numa gira infinita regada de alibis.
a fila do guiche ao lado ja me atropela. amanheceu?
espero que do outro lado dessa tela o negro tenha encontrado no sono paz.
me levanto. desplugo-me da tomada. publico novas linhas inúteis e vou.