No caminho do lar para a rodoviária de Marília, o taxista falava muito sério sobre a necessidade da permanência das manifestações diante da redução da tarifa. E não falava em coisas abstratas como "contra a corrupção", mas falava sobre sobre números, cifras, coisas que poderiam ter sido feitas com o dinheiro investido na Copa. No dia anterior, no guichê rodoviário em Assis, após uma piadinha minha sobre o Brasil ser a própria fogueira das festas juninas, o funcionário vestido a caráter falava "você é de Assis? Ah! Então não deve gostar da cidade. Mas o povo é muito bom. Devia escrever nos cartazes dos protestos que o problema são esses empresários que exploram a cidade..."
Voltando à quinta, depois de descer do táxi, esperando o busão que se atrasava mais uma vez rumo a São Paulo, eu vi o jornal que um senhor levava e pedia para ver: a vitória do MPL estampada na primeira página. Eu, com essa Lua em Câncer, enchi os olhos lágrimas e fui lá comprar um exemplar pra mim. "Esse tem que guardar pra mostrar pros filhos", eu dizia sorrindo pros vendedores.
Sentei novamente do lado do senhor e conversamos tanto e tanto sobre as manifestações. Ele animado, dizendo que é isso mesmo! Que o povo tem mais é que ir pras ruas. E eu falando sobre a violência policial aos jornalistas das grandes mídias como fator que impulsionou as manifestações no país todo.
No caminho vindo lendo a Folha e o Estadão e rindo sozinha dos comentários e notícias. Evidentemente, não precisa ser um grande expert em análise do discurso para ver a maneira pela qual os jornais direcionavam a análise, ainda que, na Folha, algumas análises tenham sido minimamente louváveis. Ri alto e feliz de ver que o MPL tinha cantado a Internacional para comemorar o recebimento da notícia. E a cada riso meu eu imagina o que se passava na cabeça dos policiais militares que viajavam na poltrona perto de mim.
Cheguei em São Paulo disposta a ir pras ruas que a musica que eu deveria cantar era da alegria de estar nas ruas pós vitória do movimento. Até então, eu andara apenas na marcha do dia 11 de junho, sabe? Aquela terça-feira pré quinta-truculenta-da-pm-dia-que-o-Datena-mudou-de-ideia. Pois bem. Terça-feira na qual eu andei por 5 horas gritando única e exclusivamente palavras de ordem contra o aumento da tarifa. O movimento organizado em torno de uma pauta e com um objetivo claro. Terça-feira de 15mil pessoas que sabiam exatamente o que queriam, ainda que estivessem perdidas sobre essa coisa extasiante que é estar nas ruas. Eu por exemplo. Tudo novo. Pra mim e pra muitos e muitos jovens.
Pois bem. A quinta-feira da vitória, pós quinta-feira da repressão.
Cheguei em casa, preparei o figurino: minha camiseta vermelha com os dizeres vinicianos: "é melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe. é assim como a luz do coração".
Mas eu e essa coisa de ficar sempre na internet... abri um link que exibia a manifestação na Paulista ao vivo e vi a chegada das bandeiras vermelhas por lá e o início de sua hostilização. Pouco antes eu havia compartilhado feliz e contente a notícia de que o MPL não se incomodava com a presença dos partidos. (bandeiras vermelhas presentes desde o início das movimentações - e hostilizadas ainda que de forma pontual desde o início também. Eu mesma, que não sou filiada a nenhum partido, embora conheça alguns de mais de perto, como é o caso do PST-U, eu mesma defendi um militante e disse "não. a gente não vai baixar as bandeiras!").
Eu já sabia que os movimentos sociais e partidos de bandeiras vermelhas estaria presente. Imaginava um confronto, mas não o caos. Aos poucos fui ficando acoada por estar vestindo vermelho. Tive medo de sair de casa. Meio atordoada, não sabia o que fazer. Fui pra rua.
No ônibus a alegria novamente me contagiava: fiz a coisa certa. O motorista e o cobrador (aqueles pra quem eu perguntava em coro forte na terça "me diz aí se seu salário aumentou??") eles falavam com orgulho das manifestações, apoiavam a causa e estavam felizes de me dizer que o ônibus não faria todo o trajeto da linha. Durante todo o caminho, um enfermeiro dizendo sem rancor que estava saindo pro trabalho quase 4 horas antes, por conta do trânsito devido as manifestações. E falava pra mim em detalhes o preço dos estádios, sobre os estados que tem poucos times de futebol e agora ganharam verdadeiros palácios da bola. Falando, argumentando, debatendo, construindo, apontado direções. Ali. No banco do busão.
Na saída do metrô da Consolação, muita gente, MUITA GENTE, de verde amarelo, se pintando. Na rua, um carnaval fora de época. Flanemos! Grupos esparsos, vários cartazes. Verde e amarelo. Vermelho, só nas camisetas da Ferrari. Cheguei tarde demais(?) Não consegui perguntar praquela onda verde e amarelo onde estavam as bandeiras vermelhas: seria o mesmo que pedir pra discutir e tretar. Eu tava sozinha e sozinha nessa. Passou uma conhecida dos tempos de Araraquara e parei ela e perguntei. Não sabia direito, mas havia muito tempo que não os via. Deviam ter ido embora.
De repente eu estava andando no sentido contrário da multidão. Caçava algum vestígio vermelho. Achei depois de muito caminhar. Uma camiseta da CUT: "oi moça!" Era uma colombiana e sua amiga peruana. Moravam numa ocupação e tinham sido convidadas a estar ali. Andamos as três em busca de mais vermelho. Achamos então um grupo anarquista gritando "Sem alegria: a PM mata pobre todo dia". Eu provavelmente estou em algumas fotos bem a caráter com meu vermelho e preto, gritando que a luta é internacional... Por fim um professor "nem sou do MST mas vim com a camiseta: onde estão os movimentos sociais? A classe trabalhadora precisa vir pras ruas" - "eles tentaram, moço, mas foram duramente hostilizados."
Depois de andar com elas um pouco mais, tomei o rumo de casa atônita: como assim toda essa repressão? Como ficar alegre com a violência que as bandeiras sofreram? Como achar normal que pudessem atacar diretamente a Dilma salientando o P e o T de sua incomPeTência e privar aos militantes o direito de estarem nas ruas? Como? Minha cabeça trovoava e a sensação de estar bem próxima de uma conjuntura próxima a dos anos 1960, que vinha de há muito mais tempo que essas duas semanas de hostilidade e esse boom facebookiano, só crescia.
Em casa, eu estava triste. Desanimada. Consumida pelos comentários todos. O relato do meu camarada que estava junto às bandeiras fazendo a segurança aumentava minha agonia. Meu companheiro, partidário e militante, tentava me acalmar - por mais incrível que isso possa parecer.
Na sexta-feira da ressaca foi novamente a rua que me arrancou sorrisos e lágrimas: a festa junina dos meus queridos aprendizes. Eles dançavam. Dançavam. Giravam. Sorriam. Sentiam prazer em viver.
Lembrei então daquilo que tanto estudo e leio com um dos meus russos preferidos: o RISO. Seu poder ambivalente: rebaixa e regenera. Tomei como meta interna voltar a sorrir. Não. Não podem me levar o sopro de vida. A alegria de viver. Não. Isso é a minha maior derrota.
Todos estes posts sobre facismo, essa ignorância das lições da história... dizer, responder, falar, gritar. bizarrices por todos os lados. a direita. os videos. a copa. a fifa. o foda-se. o FALA. "Se você disser tudo que quiser, então eu escuto."
Hoje canto do lado dos amigos. A arte antecipa. No repertório autoral, os versos do poeta já profetizavam "Hasteia toda a dor, hasteia! Hasteia toda a cor vermelha!" Hoje canto a hipocrisia daqueles que se parecem com machados, que ferem sândalos e ainda querem sair perfumados.
No difícil equilíbrio entre a indignação e a alegria de ver as pessoas trazendo pra ágora, pro centro da conversa, os problemas da política, da vida pública, para além das suas querelas particulares... nessa balança, nessa gangorra, eu quero é força pra continuar lutando.
quero sobretudo, paz interna para não perder o fôlego de travar uma boa conversa no ponto de ônibus, na loja, na esquina, na RUA.
Hoje.
Meus amigos de luta: nos organizemos. Mas que a raiva, o medo, o ódio, não matem nossos corações. Lutemos alegres. As ruas estão aí não é de hoje. Caminhemos. Perplexos.
Deixemos espaços para o vento passar.
Deixemos espaços para o vento passar.
e sobretudo, voltemos a sorrir. grande. alto. imensamente.